sábado, 27 de outubro de 2007

UMA GAROTA LIBERAL E SEU AMANTE CIUMENTO

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UMA GAROTA LIBERAL E SEU AMANTE CIUMENTO

Oscoliosa Madeira Borborinho, de ancestral família portuguesa, chegada à Bahia em 1549, por ocasião do desembarque de Tomé de Sousa, fazendo parte daquelas 1000 pessoas destinadas à construção da cidade e cúmplice também pela fundação de Curiapeba, no século XVII, quando avançavam as boiadas pelas terras devolutas do sertão. Após o primário, ginásio e colegial, bem feitos na cidade natal, nos ginásios Castro Alves e Gregório de Matos, pretendia cursar Direito, em Salvador, influenciada que fora pelo Dr. Antonio Polissílabo Saraiva, ex-prefeito e advogado bem sucedido, por sinal, seu vizinho, ali na Rua Gonçalo Alves.

Oscoliosa era bonita e desde tenra idade desejou ser uma mulher diferente de suas conterrâneas. Sempre teve admiração pelas mulheres voluntariosas, gostava um bocado da mitológica Safo, da velha Grécia, de quem aprendera, no ginásio, fragmentos de seus poemas. Lera com sofreguidão alguns romances de George Sand, Adan Bede, de George Eliot em inglês e alguns poemas de Emily Dickinson, autoras de sua predileção, e não queria, de forma alguma, ser mais uma submissa, como sua mãe, a velha Maria Verônica Madeira Borborinho e tantas outras mulheres que viviam oprimidas por seus maridos. Tinha uma certa admiração por Maninha de Matos Sampaio, embora com reservas. Achava a autora de “Sertão: com destaque ao pássaro Sofrê e outros bichos vertebrados e invertebrados da Chapada Diamantina baiana”, muito conservadora, por que não dizer, mesmo quadrarona, que só se ocupava com as belezas da região, escrever seus livros caretas, com motivos regionais, viagens e seu casamento com Zito Borborema. Com ela, Oscoliosa Madeira Borborinho, não e não violão. Isso estava definitivamente fora de suas conjecturas. Queria formar-se em Direito e ser uma mulher livre, dona do seu nariz, sem que ninguém se imiscuísse em sua vida. E foi assim que começou a colecionar namorados a esmo, sem se preocupar com posição social, cor da pele e mesmo beleza. Queria apenas que o dito cujo fosse macho e bom de cama. Namorou vários coleguinhas de classe, bem como outros rapazes da cidade. Até que se enrabichou por Mirinho Boca de Fogo, irmão caçula de Tuntunca Muquirana, músico ligado à turma de Talinho Malino de Menezes e da porto-riquenha Berenice Orozco Villas, que tentou ditar normas no âmbito cultural de Curiapeba, o que a levou a se atritar por várias vezes com o rombudo Aristarco Vieira de Melo, majorengo enfezado, que tinha “Os Sertões” como trincheira, de onde vomitava seu veneno mortal, sendo admirado até à medula por uns e detestado mortalmente por outros.

O namoro de Oscoliosa com Mirinho Boca de Fogo fora a gota d’água e a família, de há muito escandalizada com as presepadas da filha, mais que depressa providenciou a ida da fulaninha para Salvador, isso após matricular a mesma na faculdade de Direito e arrumar acomodações na pensão de Madame Frufru Vailant, ali na Baixa dos Sapateiros, num velho casarão reformado e pintado com as cores da bandeira francesa (isso sem esquecer o indefectível galo gaulês estampado na fachada). Madame Frufru era metida (embora que decadente) e não aceitava (ou fingia) qualquer um no seu estabelecimento. Dava preferência às pessoas de fino trato, que pelo menos balbuciassem algumas palavras na “peregrina língua” de Voltaire (1694-1778) e Balzac (1799-1859). Não se cansava de dizer que “naquela noite dormira com Balzac nos braços”. A seu ver, eram os dois maiores escritores do mundo, bem maiores do que Ovídio, Dante, Cervantes, Tolstoi e tantos outros grandes, a quem dizia haver lido. Foi nesse ambiente que Oscoliosa passou os primeiros meses em Salvador. Até que, injuriada com Madame Frufru, por não lhe permitir dormir com seu namorado na pensão, bateu-se em retirada, indo morar numa república, perto da faculdade. Chegou a provocar, por essa época, os maiores tendepás entre os rapazes, que se atracavam no murro e na pernada, em disputas ferozes, como cães danados, pala posse da fêmea fatal. Oscoliosa achava uma tremenda graça em tudo aquilo. Sentia-se poderosa, vendo-se como objeto de disputa entre os homens que gostavam de mulher. Logo que passou a morar na república, a cada noite dormia com um homem diferente. Os pais, quando souberam do que vinha acontecendo, foram a Salvador e tentaram dissuadi-la daquela promiscuidade, inutilmente.

Em umas férias, voltou a Curiapeba e convenceu os pais a dobrarem-lhe a mesada e, ao retornar às aulas, na capital, levou consigo o namoradinho sertanejo, Mirinho Boca de Fogo (o apelido veio pelo rapaz ter os lábios fouveiros), para uma casinha previamente alugada, na periferia de Salvador.

Os primeiros dias de casa nova e amante correram às mil maravilhas, mas como Oscoliosa nunca respeitara namorado algum, assim que voltou a estudar, passava as noites com Mirinho na cama e as tardes, após os deveres da faculdade, saía com outros rapazes pelas ruas, aos beijos e abraços, isto quando não terminavam em um quarto de hotel barato do cais do porto.

Mirinho, sertanejo desconfiado, logo percebeu que os modos da moça não lhe agradavam. A coisa ficou mais palpável quando teve de se ausentar por um dia e, ao retornar, antes do tempo previsto, para sua surpresa, encontrou a amante com um certo Pederewiski, colega de faculdade, por quem Mirinho já havia notado ter ela, uma certa queda no que era correpondida. Boca de Fogo, desse dia em diante, passou a vigiar mais de perto os passos da moça e, por ocasião de uma festinha na república, percebeu que a estudante só dançava com o tal de Pederewiski, sempre de rostos coladinhos e a se beijarem, sem nem mesmo respeitarem a sua presença, Mirinho, muito queimado com o que estava acontecendo, chamou a atenção de Oscoliosa, que ignorou os protestos do rapaz. Engoliu no balcão uma dose dupla de vermute e abandonou a festa, arrastando o novo namorado pela mão, em direção ao cais do porto, sem dar a mínima satisfação ao sertanejo, que os acompanhou de longe e viu quando os dois entraram num hotel de terceira categoria. Mirinho aguardou os amantes por mais de duas horas, até que os dois, com ar de saciedade, desceram as escadas e seguiram a orla marítima, abraçados e a se beijarem, quem sabe, prelibando a separação, onde cada qual tomaria direção oposta.

Mirinho Boca de Fogo, munido de um porrete apanhado num monte de lenha de uma padaria, esperou que o casal tomasse distância do hotel e, no momento aprazado, atingiu Pederewiski com uma cacetada monumental, arrebentando-lhe dois dentes e quebrando-lhe um braço e o pau da venta. O Apolo baiano ficou irreconhecível, em petição de miséria, lavadinho em sangue, e Oscoliosa, por sua vez, apanhou a ponto de não levantar e, quando acordou, já dia alto, com a ajuda da polícia, tinha o olho direito vazado e parte do rosto e do ventre cheios de hematomas. Mirinho, por sua vez, entrou clandestinamente num velho cargueiro panamenho, que zarpava do cais da Bahia, só reaparecendo em Curiapeba vinte anos depois, já de cabelos brancos, cheio de tatuagens nos braços, nas pernas, nas costas, e com várias histórias marítimas a contar. Por essa época os pais de Oscoliosa haviam morrido e a fortuna da família, após ruidoso arrolamento e dívidas astronômicas a pagar, evaporou-se, e a ex-moça fogosa (agora totalmente desmoralizada), que despedaçava corações masculinos, não terminando a faculdade, era uma mulher feia, envelhecida precocemente e com o olho direito vazado, nada mais lembrando aquela beldade do passado.

Toca Filosófica, 07/02/2006.

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