sábado, 27 de outubro de 2007

A FATÍDICA NOTÍCIA LEVADA POR JOÃO CACHORRO...

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A FATÍDICA NOTÍCIA LEVADA POR JOÃO CACHORRO
DEIXA OS COLEGAS DE VÉI CORME THEOBALDO
PROSTRADOS NA FEIRA DE CURIAPEBA
(OU O NOVO LIVRO DE MANINHA DE MATOS SAMPAIO)

“Cachaça é moça bonita”
Folclore mineiro

João Cachorro foi quem levou a fatídica notícia, naquela tarde ensolarada de dezembro, aos amigos Zé Coco, Felipe Cana Doce, Lunguinho Frajola, Tibada e Zé Pevide, no fim da feira de Curiapeba, num sábado, isso após as arengas do prefeito Walcírio Toneleiros Waluá, que pedia votos, quase que num corpo-a-corpo, para os seus candidatos, Antonio Polissílabo Saraiva e Wasculatório Toneleiros Waluá (vice). Após uns anos fora da política, Antonio Polissílabo Saraiva pretendia voltar ao cargo de prefeito, segundo ele, para dar continuidade às obras espetaculares que o atual alcaide levava a cabo em Curiapeba. Os turistas do sul espalhavam-se por toda a cidade (para terror dos curiapebanos), sempre guiados por Maninha de Matos Sampaio, a maior propagandista das belezas da Chapada Diamantina baiana, fotografando exaustivamente todos os moradores, relevos e casarões assombrados da região. Maninha se encarregava de arrumar dados novos para o seu próximo livro. Dessa vez, a socióloga emproada e sabichona procurava informar-se sobre pássaros (em especial o pássaro sofrê), borboletas, batráquios, aranhas, rodoleiros, peixes, morcegos, tanajuras e outros bichos vertebrados e invertebrados da redondeza.

Um barbudinho temperamental, de calça frouxa, fedendo a suor e de óculos fundo de garrafa, da USP, caminhava apressado pelas vielas estreitas e morros próximos à cidade. Queria ver tudo e tudo anotar no seu caderninho ensebado. Pagava bom preço a quem lhe desse informações de um beija-flor do lugar que, segundo notícia que teria sido ventilada pelo historiador Roniwalter Jatobá, com base em dados de uma Universidade Londrina, só existe na Chapada Diamantina, precisamente em Morro do Chapéu, às margens do rio Ferro Doido. Outro, esse um grandalhão desengonçado, com cara de holandês, dinamarquês ou sueco (como é que vou saber sua procedência), queria conhecer mais e mais a respeito do verdadeiro oásis composto por trinta e oito quilômetros quadrados, que se esparrama ao deus-dará, pelos sertões baianos, cobertos por múltiplos verdes, corredeiras, cachoeiras, cânions, montes, serras e vales imensos, cobertos de flores, pássaros e animais de todas as vicidades, onde ficam o famoso Poço Encantado e a tão cobiçada Cachoeira da Fumaça. Maninha de Matos Sampaio, velha conhecedora da região, não parava de falar, gesticular, fumar e enaltecer as belezas da terra. Chegou mesmo a dizer, sem a menor cerimônia desse mundo, que a Chapada Diamantina baiana era a região mais bonita e bem aquinhoada por Deus em todo o território nacional. - menos, Maninha, bem menos!...

Como eu ia dizendo, a cabroeira estava sentada no Bar do João Emílio Krauser, ali na Praça das Boiadas, perto da Igreja de Senhora Sant’Ana, e engoliam alentados tragos de chica-boa, amansa-corno, catilóia e outros destilados, sempre acompanhados de tira-gosto, como torresmo, carne assada, grão de galo (receita levada do Bar Diana, de Santo André), ou fumegantes cumbucas de sarapatel, especialidade da casa (gostosura!...), servidos por João Emílio Krauser, Dona Patroa e Samanta. Foi aí, que entrou João Cachorro com ar compungido e foi logo dizendo, com voz fina, esganiçada:

– Boa tarde, minha gente!... Vocês sabem quem está nas últimas?...

– Quem!... Quem!... – perguntou assustado Felipe Cana Doce.

– Véi Corme Theobaldo – disse João Cachorro, com ar de mistério.

– Mas como?... Logo Véi Corme Theobaldo?... – murmurou Ti Bada

– Véi Corme agora é crente – emendou Lunguinho Frajola.

– Sim. Ele agora pertence à “Igreja Jesus Virá, Aleluia!...” do pastor Genocídio Geronso Garrafino – exclamou Zé Coco.

– Pois é, continuou João Cachorro, de uma hora para outra o homem começou a sentir-se mal. Levaram ele até ao médico e o mesmo disse tratar-se de ferrugem nos ossos.

– Como?... Ferrugem nos ossos?... – inquiriu Felipe Cana Doce, ingerindo um resto de catilóia que sobrara no copo.

– Pois é, continuou João Cachorro. Eu também fiquei pasmo com a notícia. Segundo me falou sua nora, Ritinha Cambuquira Saruá, o homem começou a sentir dores por todo o corpo, isso ao deixar a bebida e se entregar de corpo inteiro a Jesus. Quando não mais suportava a leseira, foi ao médico de quem ouviu tratar-se de ferrugem nos ossos, apanhada depois que Véi Corme deixou de beber cachaça e passou a beber apenas água, leite de cabra e a “palavra de Deus”.

– Deus me livre de beber água, leite e especialmente a “palavra de Deus” – disse Lunguinho Frajola, fazendo o sinal da cruz. Eu bem que aconselhei Véi Corme a não entrar pro diabo daquela igreja.

– Taí, argumentou Zé Pevide. Onde está agora o Deus da “Igreja Jesus Virá, Aleluia!...”, que não limpa os ossos de Véi Corme?...

– O médico falou que ele só ficará bom de verdade se voltar a beber.

– Eu acho que é o melhor que ele deveria fazer, se escapar dessa – disse Zé Pevide.

– E o que ele pensa?... – interrogou Zé Coco.

– Ora, ora, o fanatismo do homem é tanto, que prefere morrer a abandonar Jesus – argumentou João Cachorro, baseando-se na notícia dada por Ritinha Cambuquira Saruá.

– Então que morra e vá pro inferno o mais rápido possível, levando consigo Jesus e toda a cabroeira do pastor Genocídio Geronso Garrafino – arrematou, colérico, Zé Pevide, que fora acompanhado pelo resto dos presentes em coro:

– Morra, Véi Corme!... Morra, Véi Corme!... Morra, Véi Corme!... E vá pro inferno com sua igreja e seus pastores.

Toca Filosófica, 02/08/2004 (Inverno)

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