sábado, 27 de outubro de 2007

A CASA ASSOMBRADA

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A CASA ASSOMBRADA

O homem viajou todo o dia por uma estrada poeirenta e às vezes deserta, onde só se ouvia o ruído dos seus próprios passos e o grito dos passarinhos. De vez em quando topava com uma ou outra casinha de beira de estrada, algumas fazendas, tropas de burros; carros de bois, etc. O homem era magro, muito magro, ossudo, de cara pardavasca e brocada de bexiga. Chamava-se Davino Ventania e se dirigia para os garimpos do Gentil do Ouro, em busca de dias melhores, pois a seca inclemente lhe havia torrado os roçados.

Saiu da fazenda Rabo-de-Peixe, no extremo leste de Curiapeba e já caminhava há dez dias. Achava-se enfadado e tinha vontade de deitar, descansar o corpo moído do estradar. Ao pôr do sol, deparou-se com uma velha casa abandonada na beira de um rio. Tinha um aspecto senhorial, em que não era difícil perceber os traços de nobreza, de fidalguia do seu passado. Ao lado, os vestígios da senzala e de um engenho, alguns velhos coqueiros, mangueiras, frutas-pão, abacateiros, jaqueiras e outras plantas da região.

O homem entrou na residência por uma porta arrombada. Como estava com muita fome, fez um fogo no desativado fogão de lenha, assou carne, comeu, bebeu água, pitou um bom cigarro de palha, armou a rede e deitou-se pensando em ficar por ali alguns dias. Tomar banho no rio, lavar a camisa, colher algumas frutas e, após um bom descanso, seguir viagem. No meio destes pensamentos, caiu no sono. Um sono pesado, que o apagou imediatamente. O homem roncava, de boca aberta, num sono profundo, reparador, quando foi despertado por um grito sinistro, apavorante, que se fez ecoar na vastidão silenciosa da casa. O homem acordou sobressaltado, sem saber a princípio onde estava e com o coração aos baques. Após pensar um pouco, orientou-se e saiu às apalpadelas em direção ao fogão, a fim de avivar o fogo, porém as brasas se achavam apagadas e o fogão cheio de poças d’água, como se houvesse chovido por ali. Davino Ventania, que não era um covarde, voltou para a rede e tentou pegar no soro. Nisso, ouve gritos do lado de fora, ao lado da casa, abre a janela e nada vê, porém as vozes continuam ouvidas embora não entendidas. Um cão latia e uivava na porta da cozinha, uma rês agoniada berrava ao longe e uma porca com uma manada de bacorinhos passou por dentro da casa, aos seus pés, deixando um pestilento cheiro de azedo.


Os cabelos de Davino se arrepiaram e aí o homem passou a ouvir um rumor de sinos tocando finados e um desesperado arrastar de correntes, que dava voltas à casa, e uma voz autoritária, com forte sotaque lisboeta que dizia, de maneira colérica:

– Vamos, negros desgraçados, puxem esta almanjarra, moam estas canas!...

– Cruz credo!... – disse Davino desarmando a rede, apanhando os trens e abandonando a casa imediatamente. Ao sair no terreiro, vê à sua frente uma procissão de pessoas vestidas de branco, todas com tochas acesas, que engrolavam uma espécie de oração que não era entendida por Davino. Na cancela, uma cachorra preta, acompanhada de alguns filhotes, investiu contra o homem, quase lhe abocanhando o traseiro.

O estradeiro, quase a correr, abandonou a fazenda e viajou por uma estrada deserta, escura e silenciosa, onde só se ouvia o grito dos curiangos: “Curiango!... Curiango!...” – e outros viventes noturnos.

No dia seguinte, muito esfalfado, ao chegar a uma fazenda e relatar o acontecido ao fazendeiro, ficou sabendo que a tal fazenda pertencia a um português do tempo da colonização, homem mau, que mandava judiar de seus escravos até a morte e que, após ser ele assassinado por um negro numa emboscada, a fazenda tornou-se um sítio mal-assombrado, onde não ficava ninguém e aconteciam as mais incríveis estripulias e, bem por isso, era evitada pelos moradores da região, mesmo durante o dia, com o sol a pino.

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Um comentário:

VanVale disse...

Na antiga fazenda do meu falecido avô,em Boa Viagem interior do Ceará,havia um quarto em frente ao sotão,no quarto tinham grades nas janelas e a porta era reforçada com uma fechadura de ferro.Depois que meus pais se separaram meu pai foi morar na fazenda que já estava desativada e abandonada a anos.Um ano depois que meu pai estava morando no casarão resolvi visita-lo!nas duas primeiras noites tudo normal (obs não havia luz elétrica só lamparinas).Na terceira noite depois que meu pai e eu jantamos peguei a lamparina e segui em direção ao alpendri,quando passava pelo quarto em frente ao sotão minha lamparina apagou,voltei até a cozinha e a reacendi,passando no mesmo local novamente a lamparina apagou,voltei p/ a cozinha e comentei com meu pai "acho que o querosene da lamparina ta acabando?"e meu pai me perguntou se a porta do quarto estava aberta? fui verificar e realmente estava aberta "obs a lamparina apagou novamente",foi neste momento que senti algo estranho,de dentro do quarto saia um vento e este vento ia ficando mais forte conforme eu ia entrando,a chegar parecer que tinha um ventilador ali dentro,verifiquei a janela e estava totalmente fechada.Sai p/ fora e as folhas das árvores nem se movimentavam pois não estava ventando neste momento!!!Fiquei curioso e perguntei p/o meu pai porque que aquilo acontecia?e ele me respondeu -Acho que é porque muita gente ali no quarto sofreu,aquele local era o quarto dos escravos. Fiquei meio chateado e curioso com o que meu pai me falou,chateado por saber que meus antepassados cultivaram uma das maiores atrocidades da humanidade a escravidão e curioso com aquela cituação.E meu pai falou sobre outros acontecimentos que ali aconteciam do tipo mulheres cantando e sons de roupas molhadas batendo nas pedras da lagoa ao serem lavadas,a prensa de queijo rangendo como se estivesse sendo usada,pratos e talheres batendo.Nao sei se meu pai falou isso p/me impressionar? mas o fato é que muitas vezes nós íamos dormir na casa do amigo do meu pai que foi caseiro da fazenda e me contou os mesmos fatos.