sábado, 27 de outubro de 2007

AI, JESUS, ARRASOU!...

Participe da Comunidade literária Estórias de CURIAPEBA
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40605150

* * *

AI, JESUS, ARRASOU!...
Para meu irmão Juvenal Teodoro

Véspera de Natal. A pequena Curiapeba regurgitava de gente. Os filhos dos coronéis do sisal voltavam de Salvador e de Aracaju, para as merecidas férias de fim de ano. Os turistas do Sul, em visitação ao Nordeste, atraídos pela beleza da região diamantífera baiana, queriam tudo ver. Maninha de Matos Sampaio, que já havia feito um trabalho de pesquisa e relevo sobre as religiões do Brasil, coletando vasta documentação em Curiapeba, agora escarafunchava todos os becos em busca de Centro Espírita, Mesa Branca, Casa de Xangô e o Diabo-a-quatro. Sempre acompanhada por uns tipinhos barbudinhos, mal vestidos, temperamentais, da USP. O certo é que Curiapeba ficava muito agitada durante esses meses de fim de ano. Tudo era visto, fotografado, esmiuçado. Uns tais de brasilianistas, que se encantaram pelas festas populares do sertão, queriam saber tudo a respeito das catiras, dos fandangos, dos baiões e dos reisados.

Um certo Bill William, da Universidade de Nevada, resolveu protelar a sua estadia na cidade até o início do ano novo, a fim de ver o reisado, que teria início no dia 6 de janeiro. Bill, com seu português estropiado, entoava trechos da música de folia de reis, sempre comendo frases inteiras da letra:

"Oh de casa, oh de fora, Santo Reis aqui chegou, ai, ai, meu Deus! Santo Reis aqui chegou, ai, ai!..."

Isso tudo para chalaça dos curiapebanos, que não perdiam a oportunidade para imitar o passo desengonçado e a voz ridícula do gringo.

Os padres Cosmorâmico Canindé e João Tracajá se desdobravam nas suas atividades paroquiais, pedindo donativos para as festanças que se aproximavam. Walcírio Toneleiros Waluá, um dos melhores prefeitos de todos os tempos, transformava e promovia Curiapeba em uma das cidades mais promissoras do Estado, seguindo os passos do seu antecessor, Antonio Políssilabo Saraiva, que deu início à nova era em Curiapeba. O certo é que tudo crescia e prosperava a olhos vistos e cada morador se orgulhava de sua cidade, mesmo aqueles que fizeram campanha contra a candidatura de Walcírio Toneleiros Waluá, caso do jornalista Aristarco Vieira de Melo, de "Os Sertões", que aos poucos, por não ser um sectário, um dono da verdade ainda reticente, já via com bons olhos a administração do novo alcaide.

Foi numa dessas manhãs de domingo, festiva e ensolarada, que João Xexéu, recém convertido à Igreja Jesus Virá, Aleluia!..., após assistir a um culto fervoroso e aleluiado, dito pelo pastor Genocídio Geronso Garrafino, foi ao banheiro (infelizmente, ao masculino) retocou a pintura, o rímel dos olhos, arrumou a bolsinha inseparável, segurou a "Palavra de Deus" graciosamente entre a ponta do fura bolo e o mata piolho e saiu do templo do Senhor, queimado de fé, com seus passinhos graciosos, que até fazia lembrar uma dama da alta sociedade. Xexéu era uma graça na sua calça preta de laicra coladinha ao corpo, sua blusinha amarela fosforescente, de generoso decote e os sapatos Luiz XV, um arraso para o lugar. Aprendeu esses sestros quando estivera em São Paulo, onde vivera por alguns tempos numa pensão barata de bichas. João Xexéu era de família tradicional de Curiapeba. Por parte de pai, descendia dos Cambaxirra, que dera gente do naipe do velho Clitério Cambaxirra de Jesus Malhado, o famoso Cu-de-Fogo, e por parte da mãe, vinha dos Justiniano Martelete, ramos que já havia fornecido juízes, advogados e políticos carismáticos, de voz redonda, para a glória de Curiapeba. O certo é que João Xexéu, após retornar do Sul, com seu comportamento, foi rejeitado pelos parentes e, daí por diante, passou a fazer de um tudo para desmoralizá-los em praça pública. Tornou-se um revoltado gratuitamente e fazia os maiores escândalos por dá-cá-aquela-palha. Até que um dia, ao passar pela Praça das Boiadas e ouvir a gritaria dos fiéis no templo da Igreja Jesus Virá, Aleluia!..., resolveu entrar, com a finalidade de provocar um banzé memorável, e, se possível, cuspir na cara do pastor, que exortava, seus fiéis com palavras duras, carregadas de fim de mundo, de fogo do Inferno; isto entre um aleluia! e um apelo para angariar dinheiro, animais e terreno. Xexéu, a exemplo de Santo Agostinho, em Roma, ao ver Santo Ambrósio, ao topar o pastor Genocídio Geronso Garrafino converteu-se ali mesmo e tornou-se, a partir de então, um verdadeiro fanático religioso. Só que não abandonou seus velhos hábitos e trejeitos aprendidos em São Paulo. Por mais que o pastor Genocídio Geronso Garrafino o aconselhasse, não abria mão dos trejeitos; gostava um bocado das suas calças efeminadas, da pintura, do rímel (não sabia viver sem rímel). Afinal, não seria por essas pequeninas insignificância que "Deus Nosso Senhor Jesus Cristo" iria lhe fechar as portas do céu na cara.

Nesse domingo, como já foi dito, após tomar a Rua Rumo do Sertão Alto, onde morava, num sitiozinho dos pais, ouviu uma gritaria medonha ao seu lado e ao voltar-se para ver de que se tratava, deparou-se com um velho caminhão, carregado de jogadores, que gritavam em coro:

– Bicha! Bicha! Bicha!...

Outros mais atrevidos e com vocabulário mais vasto, se esgoelavam:

– Aí, xibungão! Baitola! Boneca deslumbrada! Macho-franga!...

João Xexéu, sem perder a pose efeminada, sempre nos seus passinhos bem cadenciados, deu um toque na vasta cabeleira negra, suspendeu a "palavra de Deus" de encontro aos incréus e gritou:

– O sangue de Jesus tem poder!...

Nisso, o motorista, um galalau espadaúdo e um dos mais empenhados em desmoralizar Xexéu, (afinal era seu primo), perdeu a direção do carro e foi chocar-se contra um poste da rua, esmagando a frente do velho Ford cara branca.

Aí foi a glória para Xexéu, que pondo as mãos para o céu, num gesto de agradecimento ao Senhor, pulou e gritou com voz esganiçada e estridente satisfação:

Ai, Jesus, arrasou!... Ai, Jesus, arrasou!...

Em seguida, olha os jogadores com piedoso desprezo e sai com seus passinhos miúdos, cadenciados, martelando com seu Luiz XV as pedras mal lapidadas do calçamento, em rumo do Sertão Alto, onde ao chegar em casa, dobraria os joelhos em terra e agradeceria ao senhor pela vitória.

* * *

Participe da Comunidade literária Estórias de CURIAPEBA
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40605150

Um comentário:

"O ANDARILHO DAS RUAS" disse...

PORRA VEIO! O CORONEL SE FUDEU!!! QUEM MANDA SE TIRANO! O CORÃO NÃO AGUENTOU MAIS! LEGAL CARA PROSA!