sábado, 27 de outubro de 2007

GENTE DE CURIAPEBA

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GENTE DE CURIAPEBA

Ovadia de Jesus Jambeiro, filha caçula do velho Clitério Cambaxirra de Jesus Malhado, o Cu de Fogo, e sua mulher Dona Marieta de Jesus Malhado e Hortelã Verde, gente pobre, porém decente, de Curiapeba, trabalhava na Pharmacia Simpatia, de seu Tolentino Novaes, em plena praça das Boiadas, que fica ali, ao lado do templo da Igreja Jesus Virá, Aleluia!.., em frente a outra igreja, a de Senhora Sant'Ana e namorava o jovem advogado Wasculatório Toneleiros Waluá, irmão do conceituado advogado e contista Walcírio Toneleiros Waluá, dos escritórios Polissílabo & Waluá Advogados. Wasculatório, muito católico e recém-chegado do Piauí, onde sua família se entregava ao criame de gado zebu, era um sujeitinho melancólico, desgracioso, amarelinho, metido à moralista e extremamente religioso, que não aceitava brincadeiras de mau gosto e não permanecia por muito tempo ao lado da gentinha desbocada, fedorenta e futriqueira do lugar. Sempre detestou o povinho de Curiapeba. A seu ver, a fina flor da canalha humana, que só sabe falar mal da vida alheia, da maldita guerra de Canudos de seu cismático líder religioso, para os quais o tal não passava de um santo, do qual falavam por horas e horas, quase que em êxtase, viviam enfiados nas macumbas, que proliferavam pelos sopés dos morros, no espiritismo, e em tantos outros passatempos, que ao ver de Wasculatório, não passavam de coisas que só servem para o embrutecimento do espírito.

Wasculatório conhecera Ovadia de Jesus Jambeiro, assim que chegou a Curiapeba, num dia de grande caganeira, após comer à tripa solta, em companhia do poeta andreense João Emílio Krauser, uma buchada de bode, na casa do padre Joaquim Torres Barrada (espanhol glutão, que se apaixonou perdidamente pelos guisados e docerias regionais). O rapaz foi à farmácia Simpatia, comprar um remédio e topou com a linda moça, que o olhou com enternecimento. Daí por diante, foi um passo e os dois começaram a se gostar. Achou a menina muito bonita: alta, morena clara, cabelos compridos, rosto bem delineado, olhos negros, rasgados, sonhadores, fartos seios e um traseiro (ai, delícia!) invejável... as más línguas professoravam, quando se referiam ao causídico recém chegado:

– Vejam só, o coroinha do padre Cosmorâmico Canindé até que sabe escolher mulher, apesar da feiúra e do seu beatismo. Olhem o rabo invejável da sua namorada!...

Ovadia, todas as manhas, quando ia para o trabalho, ao passar diante da venda da negra Ostoporina Suspirova, coçava a cabeça de um papagaio falador (terror da cidade), que a negra possuía e que ficava empoleirado em um pau, preso à parede e dizia, insultando a ave faladora:

– Papagaio! Pa pa gai o do cu pelado. Dá o pé, papagaio do cu pelado, dá o pé!...

O papagaio revirava os olhos, arrepiava-se todo e não dizia nada. As vezes, olhava a moça com olhos pidões e ficava muito excitado, num verdadeiro estado de êxtase, como que a agradecer a "Deus Nosso Senhor Jesus Cristo", por tanta atenção vinda de uma verdadeira formosura como aquela.

Um domingo, ao saírem da missa das 9, todos em roupa domingueira: Ovadia ao lado de Wasculatório, Dr. Walcírio ao lado de sua esposa, Dona Délia (uma caboverdeana muito viva, muito culta, agitadora cultural e política do lugar), Dr. Antonio Polissílabo Saraiva ao lado de Dona Clotilde e do filho Tavinho que, por sinal, ciceroneavam uma talzinha de Maninha de Matos Sampaio, socióloga arrogante, emproada e sabichona, que nessa época andava às voltas com uma pesquisa de mestrado que versava sobre o fenômeno das religiões no Brasil e o poeta Moisés Amaro Dalva, recém convertido ao catolicismo, que a convite de Wasculatório, foi conhecer Curiapeba, acompanhavam os grandes da terra, que se dirigiam para o centro da praça, ao lado do coreto, onde batiam um ligeiro papo e em seguida cada qual tomava a sua direção.

Ao passarem defronte da venda de Ostoporina Suspirova, Ovadia de Jesus Jambeiro, numa atitude arrebatadora, soltou-se do braço do namorado, caminhou com passos graciosos de mulher bonita ao encontro do papagaio que fazia suas acrobacias virando e revirando-se no pau da gaiola; bateu palmas, como que a chamar atenção de todos para a sua intimidade com o louro e disse, numa entonação acentuada:

– Papagaio! Papagaio. Dá o pé, dá o pé, loro!...

O bicho, que durante anos, nunca respondeu às indagações da moça, virou os olhinhos fosforescentes e perguntou, entortando graciosamente a cabeça para um lado:

– E o cu pelado?... E o cu pelado?...

Deixando a moça em palpos de aranha e os presentes, uns rindo-se à bandeira despregada e outros, caso do poeta Moisés Amaro Dalva, a se benzerem, diante da atitude pouco dócil e imoral da ave pornográfica.

Wasculatório, por sua vez, ficou que não sabia onde enfiar a cara e ao se informar a respeito da intimidade de sua namorada com o passarinho, pôs um ponto final no namoro, pois, como bom filho de "Maria, Mãe de Deus nosso senhor Jesus Cristo" e devoto fervoroso de Senhora Sant’Ana, não iria se casar com uma devassa, uma depravada como aquelazinha, que andava de bem e a manter diálogos pornográficos com uma ave tão chula, tão nojenta como aquela da negra Ostoporina Suspirova, que vivia ali na praça pública, na maior gandaia, acintosamente a insultar, a escandalizar, a enlamear toda a gente de bem, que por ali passava.

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