sexta-feira, 26 de outubro de 2007

MANINHA DE MATOS SAMPAIO DIZ SIM A ZITO BORBOREMA...

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MANINHA DE MATOS SAMPAIO DIZ SIM A ZITO
BORBOREMA
NO PÉ DO ALTAR, DIANTE DO PADRE GIRACINO
BEMBÉM DE ARRUDA REAL APÓS TANTOS ALTOS
E BAIXOS E CHILIQUES AMOROSOS

O namoro de Maninha de Matos Sampaio com Zito Borborema se arrastava há tempos, com altos e baixos, brigas monumentais, ameaças de suicídio por parte de Maninha. Términos ruidosos, com chiliques, reconciliações duvidosas e direito a mea-culpa, de ambos os lados.

Como podemos ver, duas personalidades tão diferentes como a água e o vinho, o dia e a noite. Zito Borborema, filho de senhor de engenho da Paraíba, alto, moreno, bonitão, com seu bigode negro, torcido, a Castro Alves, sempre fora um mulherengo incorrigível. Bom orador, poeta razoável, que impressionava muito bem com sua fleuma e um sorriso zombeteiro, porém cativante.

Começou seus estudos universitários na Faculdade de Direito do Recife, por onde passou o Poeta dos Escravos e o seu rival. Tobias Barreto de Menezes. Como seus pais, após visitarem a Bahia, a convite de um contraparente, Erotildes Justiniano Martelete, se encantaram por Curiapeba, adquirindo fazendas na região.

Zito, por não gostar da capital pernambucana, transferiu os estudos para Salvador, onde tentou cursar medicina na velha Escola do Terreiro de Jesus. Tudo inutilmente, pois os estudos serviam apenas como álibi legal, a fim de tomar dinheiro dos pais e gastá-lo nos castelos de mulheres, em Salvador, em companhia de outros poetas doidivanas, filhos de fazendeiros do cacau do Sul da Bahia, que, como ele, levavam a vida na flauta, compondo seus primeiros poemas em mesas de bar. Daquele meio, saiu um tal de Petronílio Petrônio da Silva Xibiu, que mais tarde se tornou nome de destaque das letras nacionais, com obras traduzidas em todas as línguas do mundo.

Já Maninha de Matos Sampaio, que, por parte da mãe, vinha de velhas cepas nortistas, de Parintins, no Amazonas e, por parte de pai, dos Matos, nome de destaque da Revolução de 1930, e dos Sampaio, ramo de portugueses espalhados por toda a Chapada Diamantina, especialmente nas margens do Paraguaçu, fez o primário em Curiapeba, o ginásio em Salvador e se diplomou em sociologia na USP, em São Paulo, quando cursava o último ano, numa festa acadêmica, conheceu Zito Borborema, que havia trocado Salvador por São Paulo. Para Maninha, foi amor à primeira vista. Ela, que até ali ainda não tivera namorado, apaixonou-se perdidamente pelo paraibano que, como ninguém, sabia fazer com que as mulheres ficassem, assim que o conheciam, apaixonadíssimas pela sua lábia de bom malandro. Maninha, moça bem comportada, estudiosa, que sabia muito bem onde queria chegar, não percebeu de início quem era Zito Borborema, que, por sua vez, só tinha em mente viver o aqui e agora, numa boa, às custas da família, torrando a fortuna em festanças, bebedeiras com mulheres, etc. Nunca se preocupara em ser alguém na vida. Pensava ele: “Se o pai é dono das melhores terras e bois da Bahia, para que estudar?”.

Maninha, desde o primeiro beijo, ficou siderada por Zito, que nunca levou aquilo a sério. Ainda mais que tinha outras pretendentes, ali mesmo, na USP, muito mais atraentes que Maninha, à sua espera e sem aquela de enrabichamento. Gostava um bocado de uma tal de Evany Vieira Sofrê, de Ribeirão Preto, um vulcão na cama, que não lhe cobrava fidelidade nenhuma, bem como da Ivetinha de Moraes Silveira, de Cantagalo, no Rio de Janeiro, que como ele cursava Direito e também se divertia à la godaça com Zito, sem nenhum compromisso. Por que aquela baianinha ensimesmada, não tão bonita assim, queria lhe pegar no laço? – não e não – pensava Zito. Sou muito novo para me casar. Outra, o casamento é uma espécie de atraso de vida. Não nasci para tanto. Se posso ter todas as mulheres do mundo, por que ficar preso a uma só? E, diante disso, Maninha não passava de uma mulher a mais na sua vida. Se aceitasse assim, muito que bem, caso contrário, seria uma página virada. Afinal, não tinha quase nenhuma atração por ela. Se caíra na tentação de namorar-lhe naquela noite de festa foi unicamente por falta de opção, por não estarem presentes nenhuma das suas favoritas, e Maninha se imiscuir um tanto timidamente, porém carente, assim que lhe fora apresentada.

Maninha não era tão desatraente como Zito a via. Alta, delgada como uma palmeira do carrasco, morena, olhos negros, seios não grandes, porém bem torneados, cabelos escorridos, puxando um tanto para o indígena que herdara da mãe. Dentes fornidos, boca carnuda e um português invejável, ainda que com um forte sotaque nordestino. Em suma, uma bela cabocla brasileira, dessas que enchem os olhos dos gringos que nos visitam. Como ninguém é perfeito, era um tanto geniosa, mandona, determinada e extremamente ciumenta. Quando bebia umas e outras se tornava insuportável, desacatando tudo e todos, mas tinha um ideal na vida: formar-se em sociologia. Afinal seu pai, o velho Cataclismo de Matos Sampaio, era um fiel leitor de Gilberto Freyre. Desde os seus primeiros contatos com a universidade, fora muito aplicada e elogiada por seus mestres, que viam naquela nordestina ensimesmada um futuro brilhante para a nação estremecida. Ainda estudante, fizera uma obra de relevo sobre “As Religiões no Brasil”, que além de arrancar vivos elogios de mestres carrancudos, leitores comuns e críticos rombudos, como Aristarco Vieira de Melo, de “Os Sertões”, fora traduzido para várias línguas. O livro fora resultado de pesquisas em Curiapeba, durante as férias, escarafunchando becos catingudos e descobrindo dados valiosos sobre Mesa Branca, Casa de Xangô, Centro Espírita e tradições católicas entre os padres e o povo em geral. Quanto aos dados referentes ao protestantismo, apanhara-os na imensa Biblioteca do pastor Genocídio Geronso Garrafino, majorengo supremo da “Igreja Jesus Vira, Aleluia!...”, em Curiapeba.

Após longo sofrimento, com várias internações em hospitais caríssimos de Salvador, São Paulo e até na Argentina, em procura de melhora para seus sofrimentos, morreu o velho Fustel Pessoa de Borborema, pai de Zito, e logo em seguida a mãe, Dona Ema do Amor Perfeito Arruda Botelho Couve-Flor e Borborema (que Deus a tenha), com diferença apenas de dezesseis dias um do outro. Foi aí que teve inicio o esfacelamento da família Borborema, composta de dez filhos, que procederam à partilha do pouco que lhes sobrara, com disputas jurídicas, em que os advogados Antonio Polissílabo Saraiva, Walcírio Toneleiros Waluá e Wasculatório Toneleiros Waluá se encarregaram do assunto. O certo é que Zito Borborema, depois de tudo dividido, ali, na ponta do lápis, tintim por tintim, amanheceu rico e deitou-se pobre, desiludido. Pois, no frigir dos ovos, não lhe sobrara quase nada e, por mal dos pecados, ainda havia contraído algumas dívidas, tudo por conta da herança. Diante disso, fez uma retrospectiva em sua vida: caminhava para os quarenta anos, início da velhice, não tinha dinheiro nem a menor vocação para advogar. E se pôs a maquinar um jeito de viver bem, sem ter que trabalhar.

Por essa época, Maninha de Matos Sampaio acabara de publicar “Sertão: Com Destaque ao Pássaro Sofrê e Outros Bichos Vertebrados e Invertebrados da Chapada Diamantina Baiana”, que fez da autora uma celebridade. O livro vendeu como água, com direito de traduções em mais de vinte línguas, filmes, uma adaptação para o teatro em Salvador e outra em São Paulo. Zito, que não era nenhum bobo, e como Maninha continuava a assediá-lo, oferecendo-lhe um exemplar do livro com uma dedicatória em forma de pedido de casamento, como um náufrago, agarrou-se à primeira tábua de segurança, pedindo a mão de Maninha, não por ela, isto não, porém de olho em seu dinheiro. E foi assim que, no dia do aniversário da escritora, 27 de março, ficaram noivos, com direito a festa de arromba no sobradão dos Sampaio, que fica ali, na Praça das Boiadas, ao lado do Bar do João Emílio Krauser, onde músicos, justamente os apaniguados de Maninha, compareceram, compostos por Talinho Malino de Menezes na sanfona, Zé Vicente no triângulo, Tuntunca Muquirana no ganzá, Galalau no violão, e João Cachorro, recém-chegado, se encarregou da arenga nos pratos: cheque, cheque, cheque, cheque!...

Os banhos correram normalmente, conforme os ditames religiosos. Aristarco Vieira de Melo publicou com destaque em “Os Sertões” os editais de proclamas, em letras gordas, de um preto lustroso. Zito, que se dizia ateu de carteirinha, foi obrigado (a pedido da família da noiva), a se curvar diante do padre. O certo é que o casamento fora marcado para as 17 horas do dia 27 de maio (Maninha gostava um bocado do número sete), na Igreja de Senhora Sant’Ana, com cerimônia ministrada pelo padre Giracino Bembém de Arruda Real, velho conselheiro da família, que a havia batizado a anos atrás. E foi assim que Maninha de Matos Sampaio, após muita perseverança, choros, pileques homéricos, chantagens e chiliques amorosos, conseguiu realizar seus sonhos de fêmea casadoura, segurando a volubilidade de Zito Borborema que, dali por diante, fingiria ser marido exemplar de Maninha de Matos Sampaio, a fim de melhor dilapidar toda a sua dinheirama, que por lei, após o enlace matrimonial, seria sua, afinal se casaram também no cartório e em comunhão de bens.

Toca Filosófica, 22/03/2005

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