SE FEZ PASSAR POR ORORA DE ORBURQUERQUES
(Para meu irmão Juvenal Teodoro)
Ao voltar a Curiapeba, após a morte do coronel Gremivaldo Tanajura, em um hospital de Salvador, não perdia um baileco na periferia, onde os cavalheiros, soubessem ou não, queriam dançar uma parte com Xisota, que além de ser uma mulatinha chibante e possuidora dos dentes mais bonitos e brancos do Brasil, dançava feito o que diga.
Curiapeba possuía dois clubes dançantes: o Moreira César, da aristocracia local, que recebera este nome em homenagem ao herói de Canudos, muito freqüentado pelos filhos dos coronéis do sisal, nas férias e Folias de Reis, que fica na Rua Rumo ao Sertão Alto, num velho galpão de barro batido, encarapitado no cocuruto do Morro do Conselheiro, onde Xisota imperava com sua beleza e sua dança.
Num fim de semana natalino, com a pequena Curiapeba estufada de gente de Salvador, Aracaju, Fortaleza, São Paulo, e mesmo de alguns turistas estrangeiros que vieram conhecer as belezas da Chapada Diamantina baiana, Xisota Gungunova, só de marra, neste dia se embonecou com seu melhor vestido branco, comprado em Salvador, e entrou de queixo empinado no Moreira César, a fim de mostrar a sua dança, a sua ginga e graça de mulher bonita. Logo que a festa começou, com Talinho Malino de Menezes na sanfona, Galalau no violão, Zé Vicente no triângulo e Tuntunca Muquirana no ganzá, os quais faziam os corações fremirem diante das canções:
“Ê lampa, é lampa, é lampa
é lampa, é Lampião
meu nome é Virgolino
cangaceiro do sertão”.
Assim que os instrumentos começaram a roncar, um gringo alto, loirão (talvez um sueco ou holandês), com cara de pimentão maduro, pegou a mulata e saíram sassaricando pelo salão. O gringo era uma negação, não dançava nada e, todo desengonçado, tentava acertar o passo inutilmente, enquanto Xisota, com cara de sonsa, fazia de conta que nada percebia e enchia assim o galalau das estranjas de confiança e prazer.
Lá pelas tantas, quando a mulata já tinha agradado a todos os presentes e passado por quase todos os braços masculinos, Zito Borborema, um quartanista de Direito, alto, moreno, espadaúdo, metido a poeta, orador de palavras fáceis e boêmio contumaz, que era contraparente dos Justiniano Martelete e namorava a socióloga Maninha de Matos Sampaio, subiu ao palco, fez parar a música e anunciou, com seu vozeirão de baixo profundo, que haviam encontrado um lencinho de linho branco nas dependências do salão, com as seguintes iniciais: O. O. Rogou que o dono subisse ao palco, se identificasse e recebesse a preciosidade de volta. Como ninguém se manifestou, a mulatinha estufou o peito de pomba trocaz, deu dois passos à frente, suspendeu o dedo fura-bolo e disse, com voz impostada:
– O lenço é meu...
Zito Borborema olha a mulatinha com olhos pidões de garanhão no cio e convida-a a subir ao palco, perguntando em seguida:
– Qual seu nome? – abre um sorriso de orelha a orelha.
– Orora de Orburquerques – interveio Xisota, que só teve o trabalho de pegar o lenço das mãos do Zito e descer do palco, medida de cima a baixo pelo ciúme e o olhar reprovador de Maninha de Matos Sampaio, nas mãos de quem Zito Borborema cortava um doze.
Toca Filosófica, 05/06/2002
...um capetinha em forma de menina-moça, que quando dançava deixava os espectadores de queixo caído.
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