sábado, 27 de outubro de 2007

O CORONEL DROMEDÁRIO CARMELINHO E O BARBEIRO ANACLETO PEREIRA SAMPAIO

Participe da Comunidade literária Estórias de CURIAPEBA
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40605150

* * *

O CORONEL DROMEDÁRIO CARMELINHO E O BARBEIRO ANACLETO PEREIRA SAMPAIO

O coronel Dromedário Carmelinho, homem temido em toda a Curiapeba, fazia a barba, todas as manhãs, ali no número 11 da Praça das Boiadas, na Barbearia Sol a Pino, com Anacleto Pereira Sampaio, que era um dos melhores barbeiros da cidade. Freqüentava o seu estabelecimento há mais de cinco anos. Era freguês exigente, não respeitando ordem de chegada e queria sempre uma barba bem feita, que lhe deixasse a pele lisinha, sem a menor sombra de irritação. Anacleto se detinha um tempão sem fim, escanhoando aquela barba cinzenta, duríssima e muito serrada, daquele carão vermelho, balofo, que, diga-se de passagem, não lhe pagava tão bem assim, para o que exigia.

Num fim de ano, véspera de Natal, com a cidade abarrotada de gente, filhos dos coronéis do sisal e do diamante, que estudavam em Salvador, Feira de Santana, São Paulo e Rio de Janeiro, sem contar os turistas de outros estados e as vezes mesmo do exterior, que, devido às belezas da região. enchiam a cidade a qualquer época do ano, chovesse ou fizesse sol. Sempre ciceroneados por Maninha de Matos Sampaio, que aproveitava a oportunidade para fazer propaganda do seu novo livro: 'Sertão: com destaque ao pássaro Sofre e outros bichos vertebrados e invertebrados da Chapada Diamantina baiana, e aqueles barbudinhos temperamentais, enxeridos, de calcas frouxas e óculos fundo de garrafa da USP, que se metiam em tudo, com uma curiosidade visguenta, procurando registrar nos seus caderninhos ensebados, as coisas mais banais deste mundo. tais como urro de jegue, berro de vaca, trepada de cães, brigas de galos e canários da terra, pescaria de munzuá e cobós nas locas de pedra e tantas outras besteiras, características de gente que não conhece o interior.

Numa manhã ensolarada de sábado, logo no início da feira, chegou o coronel Dromedário Carmelinho, todo vestido de linho branco, o melhor “Cima”, um verdadeiro HJ inglês, coisa de gente da alta, confeccionados quando em Salvador, com Nania Porongatu, ou em Aracaju, com o mestre Afonso Vicente, alfaiates de sua preferência. Ao entrar na barbearia, notou que Anacleto escanhoava a barba vermelha de um gringão de olhos azuis, norueguês, dinamarquês, como é que vou saber?... O velho coronel mira o gringo com rabo de olho, sem nem mesmo se dignar ver que existiam mais duas pessoas sentadas, aguardando sua vez e diz, de maneira brusca, para o barbeiro:

- Anacleto, vou dar uma voltinha e logo venho para você me fazer a barba. Vê se desinfeta essa navalha e pincel. Não quero pegar lepra desses gringos nojentos, não!...

Pois não, coronel. Tem apenas duas pessoas esperando, logo que termine esses aí, espero que o senhor esteja presente para ser barbeado. Quanto à navalha e pincel, os seus estão guardados. São exclusivos.

O coronel saiu vendendo azeite às canadas e pensando consigo mesmo: 'nunca esperei por ninguém em minha vida. Porque esse sujeitinho insolente quer agora que eu espere para ser atendido... O certo é que voltou dali a, meia hora e ao entrar, viu que o Dr. Antonio Polissílabo Saraiva estava sendo atendido por Anacleto. Não podia dizer que não gostasse do Dr. Antonio. Afinal era uma pessoa que só sabia fazer o bem. Mas também não lhe era simpático. Esse advogadozinho andava defendendo causas dessa gentalha de merda e desmascarando de vez em quando poderosos da cidade. Lembrou-se do ruidoso processo envolvendo o pastor Genocídio Geronso Garrafino, não fazia muito e a família do velho Traumaturgo Alcandorado Varonil, quando o pastor tentou ludibriar os filhos do velho fanático religioso, e ficar com seu terreno, na Praça das Boiadas, onde tencionava construir a sede da igreja “Jesus Virá, Aleluia!...” Cumprimentou o Dr. Antonio e fez Anacleto ver que a sua paciência estava chegando ao fim:

– Anacleto, meu nego, quando é que você poderá fazer a minha barba?... Veja que já vim aqui duas vezes e você está sempre ocupado.

– Sente-se aí, coronel e logo que terminar de fazer a barba do Dr. Antonio, faço a sua.

– Anacleto, como você está careca de saber, não gosto de esperar nem mesmo para receber dinheiro, quanto mais para ser barbeado. Vou dar mais uma volta e ao retornar, quero que você faça a minha barba.

Assim que o coronel se retirou, entra o velho Dunga Rindidunga Polissílabo Saraiva, cumprimenta o barbeiro e o primo, Dr. Antonio. Senta-se e aguarda sua vez, trocando alguns dedos de prosa sobre política e a péssima administração do novo alcaide, Luiz Ignóbil Suíno dos Ovos Sujos, um desastrado, que levava a cidade ao caos.

Anacleto, temeroso do que o coronel seria capaz de aprontar, foi logo avisando ao velho Dunga:

– Seu Dunga, o coronel Dromedário já veio aqui duas vezes, se porventura ele chegar antes de terminara barba do Dr. Antonio, vou cortar a dele antes da sua. Posso?...

– Ora, ora, Anacleto, tudo bem... Conosco não tem enrosco.

Terminando a barba do Dr. Antonio e como nada do coronel, pediu que Dunga se sentasse na cadeira e começou a ensaboar a barba, quando entra o coronel, inimigo figadal de Dunga e vai logo dizendo:

– Anacleto, você quer vender a barbearia?...

– Por que, coronel?...

– Sempre que venho aqui você está ocupado.

– Se o senhor tivesse aguardado, já tinha chegado a sua vez, coronel.

– Vamos, faça preço nesta bilosca!...

– Minha barbearia não está a venda, coronel. Só tenho isto de onde posso tirar o pão de cada dia para meus filhos, homem de Deus. Como é que vou vender?...

– Se você fosse vender, quanto pediria por ela?...

Anacleto pára de escanhoar a barba do velho Dunga Rindidunga Polissílabo Saraiva, encara o coronel, enquanto amola a navalha e diz uma cifra astronômica para a época:

– Vinte mil réis, coronel.

O coronel, que tinha uma pequena maleta de couro de anta na mão, abre-a, puxa algumas pelegas emboloradas, encara o barbeiro, encolerizado e diz:

– Seu Anacleto, aqui estão cinqüenta mil réis. Portanto, uma vez e meia a mais do que você pediu por ela. De hoje em diante a barbearia é minha e não se fala mais nisso. Espero ser atendido aqui quando bem quiser, sem ter de aguardar por a ou b. Depois de mim, você poderá atender os seus clientes normais, de maneira que o lucro seja dividido ao meio. Ouviu?... Pense bem, nisso, meu rapaz...

Senta-se na cadeira, apalpa o revólver no coldre, fecha os olhos e entrega o pescoço à navalha do barbeiro, que desse dia em diante, mesmo contra a sua vontade, passa a ser barbeiro oficial do poderoso coronel Dromedário Carmelinho.

Toca Filosófica, 12/02/2006


* * *

Participe da Comunidade literária Estórias de CURIAPEBA
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40605150

Nenhum comentário: