REMEMORA A PASSAGEM DA COLUNA PRESTES
PELA CHAPADA DIAMANTINA BAIANA
Quem mais sofria na rota desses malucos eram justamente os mais pobres, aqueles a quem o Sr. Luís Carlos Prestes dizia querer ajudar.
Foi em julho de 1926, quando a Coluna Prestes percorria a Chapada Diamantina, que o prefeito de Curiapeba, Trombagildo Abnegardo da Silveira, um homem bom, unicamente por fazer declarações favoráveis ao Coronel Horácio de Matos e sua gente, foi assassinado covardemente em uma emboscada. Dizem as más línguas que pelos seus inimigos, comandados pelo dentista Athanázio Valovelho Chepaúva, derrotado nas eleições passadas e no momento defendendo os ideais da Sr. Luís Carlos Prestes. Os homens deste acampavam nas fazendas da região e dizimavam todo o gado, cabras, porcos, deixando alguns fazendeiros sem uma só cabeça de criação e com um punhado de vales ou bônus de guerra, e onde os rebelados se comprometiam a saldar as dívidas após tomarem o poder à força. O pior é que abusavam das nossas filhas e mulheres. Uma vez, apareceu em nossa casa Prestes em pessoa, vinha na frente do grupo, bem me lembro, baixinho, barbado, de cara agasturada, usando chapéu de massa e lenço vermelho atado ao pescoço. Ao chegar, foi logo perguntando a meu pai:
– É você o Pracídio Polissílabo Saraiva? (Se vê cada uma!. . Isto é nome de gente?)
– Sou. Sinsinhô! – disse meu pai.
– Onde estão seus cavalos? – indagou Prestes, com ar de poucos amigos.
– Eu não tenho cavalos – disse meu pai.
– Olha que tem – resmungou Prestes. Você tem um cavalo preto e um vermelho. Já estou informado disso. Não se faça de rogado, homem. Preciso dos cavalos.
Meu pai encarou o homem e tornou a dizer:
– Meu sinhô, eu não tenho cavalo nenhum.
Prestes, que tinha uma taca na mão, não vacilou e deu duas lambadas na cara do meu pai, que caiu se esvaindo em sangue. Em seguida, sem se condoer com a dor do velho, ordenou-lhe que se levantasse. Deu-lhe mais uma bordoada, e arrematou:
– Vamos!... Onde estão os cavalos? Olha que a coisa poderá ficar preta pro seu lado.
Meu pai pediu que os acompanhassem a um capão de mato, onde os cavalos estavam escondidos. Prestes, ao ver os animais, encarou o vermelho brilhante, luzidio, bem tratado, e perguntou:
– Esse cavalo é manso, meu velho?...
– É sim. É manso – disse meu pai.
O baixinho ordenou que transferissem a cela para o vermelho e, em seguida, amarrou uma corda de sedenhos no pescoço do meu pai e a ponta da mesma à garupa da sela de um cabra mal-encarado e saíram trotando estrada afora, arrastando meu pai, como um cão danado, até a fazenda Sucurucu, onde o deixaram e seguiram em disparada rumo a Utinga e, no dia seguinte, assassinaram a sangue frio o coronel Papelote Canaverde Gonzaga, que não negava seu incondicional apoio ao Coronel Horácio de Matos. Meu pai, desse dia em diante, nunca mais foi o mesmo e, numa tarde, na feira de Curiapeba, ao presenciar um furdunço, atribuído aos cabras de Lampião, enquanto almoçava na barraca da Negra Vaiei-me, sofreu um ataque fulminante, entregando ali mesmo a alma ao Criador.
Conto essas tristes bramuras apenas para dar outra versão a essa aura de honestidade e heroísmo atribuídas à Coluna Prestes. Que, para quase todos os escritos consultados por mim sobre o assunto, com exceção feita ao imparcial jornalista Antão Calasans, do jornal A Voz do Sertão, autor de livro homônimo, Prestes foi sempre pintado como um santo, um salvador da Pátria, “O Cavaleiro da Esperança”. Entretanto, quem viveu de perto o drama sabe muito bem que não foi assim. Portanto, peço desculpas pelas minhas mofinas letras. Sei que não tenho jeito para a escrita. Sou apenas um bronco tabaréu do sertão e não entendo nada de sintaxe, vírgula, ponto e vírgula e tantos outros macetes de que só os literatos de verdade são capazes, a fim de produzir uma boa estória.
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