sábado, 27 de outubro de 2007

JUSTINIANO CABORÉ RETORNA À TERRA NATAL

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JUSTINIANO CABORÉ RETORNA À TERRA NATAL

Depois de muitas lutas, sofrimentos mil, aprendizagens, amores frustrados, muita falta de dinheiro, exposições e glórias em várias partes do mundo, já pintando os primeiros fios de cabelos brancos nas têmporas e na barba, Justiniano Caboré retornou em definitivo para Curiapeba, sua terra natal, que segundo disse alguém, para onde jamais se volta, “pois ela não existe a não ser nas nafetalinas da memória”, onde após morar por alguns meses no Hotel Toco Preto & Barinova, adquiriu uma velha casa na praça das Boiadas, número 27, ali pertinho da barbearia Sol à Pino, de Anacleto Pereira Sampaio, reformando – a à seu gosto e se instalando nela, de mala e cuia, com seu atelier. Fazendo logo amizade com outros pintores sulistas, radicados em Curiapeba, tais como o João Alberto Tessarini e Cecília Verdemate Beatrix Alighieri e Baipendi, apaixonados pela cultura sertaneja. Ambos vindos de São Paulo, porém perfeitamente adaptados aos modos simples e às vezes rudes dos sertões baianos, os quais copiavam nas suas telas de grandes reverberâncias, que eram disputadíssimas pelos marchands e galerias do Sul do País e do exterior.

Justiniano Caboré, que fora discípulo de Carybé e de quem se percebia grande influência em suas telas, a princípio percorrera todo o Brasil em busca de reconhecimento para sua arte, inutilmente, até que se mudou para a Europa, primeiro para Barcelona, depois para Paris, onde conhecera grandes mestres das Artes, tais como o pernambucano Cícero Dias e o cearense Antônio Bandeira, por quem tinha grandes considerações e relembrava sempre dos seus dias de boêmia, intensa, na Rive Gauche, junto a outros tantos latinos-americanos em busca de glórias. Se tornara amigo de Picasso, Miró e outros com os quais se enfronhara. Por lá, mostrara os seus trabalhos lambecados de verde e amarelo, cheios de sol e exotismo. Seus cangaceiros, suas flores tropicais, de múltipla coloração, seus cactos, ossadas de animais tombados pela seca, urubus, mandacarus, paus – de – arara, retirantes, etc. Vendera muitos quadros na Europa, inclusive um para a rainha da Inglaterra, que lhe tecera elogios, elogios estes, que lhe rendera divisas, comentário nas gazetas e muitos dólares na conta bancária.

Caboré era um apaixonado pelo “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e esboçava seus personagens plásticos, arrancando – os quase que diretamente das páginas trágicas do grande “Livro Vingador” da literatura nacional. Alguns desses quadros se acham espalhados pelos grandes museus do mundo, tais como o Jeu de Paume, d`Orsay, ambos de Paris, o Museu de Arte Moderna, de Nova Yorque, Museu de Arte de Filadélfia, Museu de Arte Moderna, do México, ao lado de Siqueiros, Orozco e Diego Rivera. Outros estão pendurados em paredes do Museu de Arte Moderna, de Barcelona, juntinhos com os belos quadros de Ramón Casas, entre outros museus do mundo e quase que desconhecidos entre nós brasileiros. A não ser em algumas coleções particulares, de ricassos que o conheceram na Europa, como o coronel Jorge Tigre, de Curiapeba, fazendeiro de bom gosto, que patrocinava as artes na região.

Justiniano Caboré, assim que se instalou na cidade, num período de quaresma, viu pelas ruas uma procissão do Senhor Morto, que lhe marcou muito e mais que depressa, obedecendo à inspiração, se pôs a trabalhar em uma espécie de Santa Ceia Cabocla, constituída de vários quadros, que totalizariam os traços da via – crucis e onde o personagem central era um Cristo preto, de olhos vermelhos, beiços proeminentes, musculatura de aço e cabelos pixaim, que as vezes se travestia de cangaceiro, Zumbi e outras, como na cena da crucifixão vestindo uma decotadíssima calçola de mulher, rosa – choque, enfeitada de debruns, que lhe deixava o corpo cheio de curvas efeminadas e duas borboletas azuis, graciosamente pousadas nos bicos dos seios protuberantes, por cima do califon. Ao serem expostos estes quadros no salão Lavras Diamantina, da cidade (com a presença do Prefeito Perfídio Brotoeja Codorniz, do Presidente da Câmara, vereador João Kusowisky, do padre Joaquim Torres Barrada, do Pastor Genocídio Geronso Garrafino, do jornalista Aristarco Vieira de Melo, da escritora Maninha de Matos Sampaio, dos advogados Antonio Polissílabo Saraiva, Walcírio Toneleiros Waluá, Wasculatório Toneleiros Waluá, do compositor, poeta, historiador e sanfoneiro Talinho Malino de Menezes e até dos caribenhos Artúrio Quiroga y Orozco e sua mulher, Dona Berenice Orozco Villas, que aparentemente vieram prestigiar o desconhecido pintor recém – chegado. Os quadros de Justiniano Caboré começaram a causar mal – estar desde o primeiro dia, quando o presidente da Câmara, vereador João Kusowisky, que pertencia à cúpula da igreja Jesus Virá, Aleluia!..., de cenho franzido aproxima – se do pintor, que dava uma entrevista coletiva e pergunta:

- Seu Justiniano Caboré (que nome, hein?...Se vê cada uma!...) como é que o senhor se dá ao luxo de exibir uma obra tão sacrílega como essa, em ambiente público, e além do mais, em uma cidade extremamente religiosa como Curiapeba?...

Justiniano Caboré, um pouco assustado, encara o homem e diz, rematando a gozação em cima do seu nome:

- Pois é, vereador, em matéria de nomes esquisitos estamos empatados. Veja que o seu nome também não é uma belezura, soletrou pausadamente: Ku so wis ky... Sim sinhô... Quanto à minha pintura não vejo nada de mais nela, que a desabone, nobre vereador.

- O senhor ainda diz não ver nada nela que a desabone, seu Caboré?... Seus quadros beiram ao deboche, ao acinte. São trabalhos indignos de serem expostos neste ambiente público da mais alta reputação.

- Não os vejo assim, senhor Kusowisky. Tenho exposto meus quadros em várias partes do mundo. Reconheço que sou dono de um estilo forte, irreverente, mas mesmo assim nunca tive o privilégio de ser censurado. Pelo contrário, os meus trabalhos tem provocado os mais calorosos elogios e ganhado prêmios mundo afora.

- Vejo que o senhor, que saiu daqui pequeno, ainda não se deu conta que, esta cidade, extremamente religiosa, não compartilha com as suas pornografias, de extremo mau gosto. Vou solicitar ao prefeito Perfídio Brotoeja Codorniz, em nome dos bons costumes e da moral, que providencie a retirada da sua exposição deste lugar. A fim de resguardarmos a pureza e inocência da nossa gente.

Disse isto e virou as costas, não esperando a réplica, por parte do pintor. Indo à tarde ao gabinete do prefeito, onde expôs seus pontos de vistas, que não foram levados à sério pelo alcaide, que disse não ver subversão nenhuma ou pornografia na obra de Justiniano Caboré. A seu ver, motivo de honra e orgulho para a cidade, que em parte, vive do turismo, e o pintor atraíria muita gente endinheirada, sedenta por arte e pessoas famosas. O que não convenceu o vereador, que tratou de se encontrar com outros colegas de partido, como o Dr. Athanázio Valovelho Clepaúva, Bombardino Pitomba e Panflório Obvilaqua Valovelho Clepaúva (todos da bancada da UDN). À noite foi a igreja Jesus Virá, Aleluia!... e num culto fervoroso, aleluiado, e carregado de fogos do inferno, (pondo em prática os conselhos do Dr. Athanázio), conclamou a sua gente a se revoltar numa cruzada evangélica a fim de destruir o diabo que estava ali na cidade, na pessoa do tal pintor. Isso poderia ser feito com a depredação dos trabalhos de Justiniano Caboré, expostos no salão Lavras Diamantina, que poderiam ser queimados em praça pública pelos fiéis, que no dia seguinte, quando Caboré dava uma entrevista, arrodeado de jornalistas e curiosos, invadiram o salão e como uma avalanche medonha, começaram a destruir quadros, móveis, instalações e armados com a bíblia e hinários, atacaram o pintor, batendo – lhe na cara, na barriga, nos braços e na cabeça. Os irmãos, dominados por um frenesi coletivo, berravam:

- Sai daqui, espírito maligno, enviado do diabo, e vai para as profundezas do inferno, que é o teu lugar.

- O sangue do Senhor tem poder!... – gritava insistentemente, uma senhora, toda vestida de preto e cabelos esvoaçantes, maltratados.

Outros, mais agressivos, brandiam a bíblia na cara do pintor e se esgoelavam, como se tomados por uma força estranha.

- Retira – te desta cidade, espírito imundo. Aqui reina o Senhor!...

- A coisa quase fora de controle só não ficou pior, porque os guardas da Prefeitura, ao vêem o pintor apanhando, entraram em cena, evacuando o salão e levando o artista para outra dependência. Diante dessa ameaça exemplar, que fora contemplada, por vários jornalistas, Justiniano Caboré, passou a ser entrevistado com assiduidade. Virou notícia dos mais diversos jornais nacionais e estrangeiros. Seus quadros, até ali desconhecidos, tornaram – se popularíssimos, e o pintor, de uma hora para outra, se tornou uma celebridade e um dos mais famosos homens de Curiapeba, em todos os tempos, e o vereador João Kusowisky, que não se reelegeu, mudou – se da cidade, a fim de não presenciar a glória do pintor ateu, que em matéria de arte, passou a ditar as ordens, País afora.

Toca Filosófica, 27/11/2006

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