segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O CORONEL DROMEDÁRIO CARMELINHO OBTEM ÊXITO NO SEU TRABALHO SUTIL DE INVESTIGAÇÃO E MORRE EM SEGUIDA

Participe da Comunidade Literária Estórias de CURIAPEBA

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O CORONEL DROMEDÁRIO CARMELINHO
OBTEM ÊXITO NO SEU TRABALHO SUTIL DE INVESTIGAÇÃO
E MORRE EM SEGUIDA

Ilustração Inista de Neli Maria Vieira

(Para Samuel Duarte)

"...acreditava nas armas,principalmente para resolver questões de honra"
Agatha Cristie


O Coronel Dromedário Carmelinho,após eliminar, através dos seus agentes secretos, os comerciantes Albino Seabra, da firma Tesuko Nukuda & Seabra, de Miguel Calmon, Nahum Maliff, de Pilão Arcado e o italiano Gino Scalabronni , recém chegado ao Brasil, instalado em Catinga do Moura, não se dando por satisfeito, após tirr os três fora de circulação, segundo ele, culpados pelos seus prejuízos e morte dos tropeiros Pinininho da Silva Dourado e Teodorico Pindé , em uma emboscada preparada por Resuko Nukuda, um homem vivo, ambicioso, acostumado a safar-se de emboscadas que abandonou Miguel Calmon, logo ao saber da morte do sócio, Albino Seabra numa fazenda ali perto.

O Coronel, velha raposa, não ficando atrás de seu ninguém, quando se tratava de estratégia de guerra, acionou seus homens de confiança, espalhados por várias partes do sertão. Epecialmente entre Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Pernambuco, onde sabia que Tesuko Nukuda possuía negócios ou gente disposta a lhe dar guarida.

Os espiões do General Dromedário Carmelinho se espalharam rapidamente mundo afora, procurando novas casas comerciais, onde provavelmente o negociante poderia se esconder, disfarçadamente. E assim, colocou três espiões em Miguel Calmon, vigiando dia e noite o momento em que Tesuko Nukuda retirasse a mercadoria da loja, fechada já por seis meses. Até que um dia, ao cair da noite, um caminhão entrou porta a dentro, fechando a imediatamente e retirando-se o caminhão pela madrugadinha, antes do nascer do sol, carregado de mercadorias. O carro não tinha placas e dirigiu-se aa todo vapor para os lados de Minas.

O motorista de um jipe e dois sicários do Coronel colocaram-se na trilha do caminhão. Sempre a distância, como quem nada quer. Os homens do caminhão e os do jipe chegaram a almoçar juntos em um restaurante de beira de estrada, onde um dos jipeiros reconheceu o ajudante do caminhão, antigo empregado da Tesuko Nukuda & Seabra, disfarçado por trás de uma barba grisalha, um enorme chapéu de couro de mateiro e óculos escuros a lhe encobrir os olhos e o deixando mais velho.

O motorista era desconhecido e os cabras do Coronel fizeram que nada tinham a ver com eles e deixaram que os mesmos saíssem primeiro do restaurante e os seguiram de longe, afim de não serem notados. E assim, viajaram por dois dia e duas noites, até chegarem à cidade de Grão Mogol, no Estado de Minas, onde o caminhão fora descarregado em uma loja suntuosa e viram um oriental barbado, tudo indicando tratar-se de Tesuko Nukuda, de óculos escuros, conferindo a mercadoria.

Os homens anotaram o endereço e retornaram à Curiapeba, contando tudo o que viram ao Coronel, que os despachou, com suas missões cumpridas e pagando-lhe os merecidos soldos.

O Coronel Dromedário Carmelinho foi a Brotas de Macaúbas e por lá contratou o matador Bramantino Galego, um sujeito frio, terros do luga, que tinha orgulho em dizer , nas suas poucas conversas, nunca ter errado um tiro. Era capaz de acertar uma bala na boca de uma garrafa.

Tesuko Nukuda, homem de mais ou menos 45 anos. Um metro e sessenta de altura, moreno, de procedência oriental,,ligeiramente gago, possuía uma orelha acabanada.Sinais muito lembrados pelo velho Coronel, a fim de evitar equívocos por parte do seu futuro matador.

Bramantino Galego deveria, após certificar-se da orelha acabanada da vítima, ouvir-lhe a voz e após fazer o serviço, se possível, cortar-lhe a mesma orelha e leva-la como prova do dever cumprido.

Dito e feito. Bramantino, ao chegar a cidade de Graão Mogol, escondeu o seu cavalo numa estrebaria de ponta de rua e foi, como quem nada quer, à loja Nagóia de Minas, onde se interessou por uma capa boiadeira. A princípio, achou-a muito cara e sugeriu ao vendedor consultar seu chefe, a fim de que fizesse um abatimento. Se aceitasse, poderia levar outras mercadorias. O vendedor foi consultar o patrão, que um tanto desconfiado, foi falar com Brmantino, que ao nota a orelha acabanada do homem, não teve dúvidas : tratava-se de Tesuko Nukuda em carne e osso. Esse foi logo dizendo, com palavras gaguejadas, não poder fazer todo aquele desconto pedido, mas se o a homem levasse outros produtos, quem sabe, surgisse probabilidade de negócios.

Bramantino Galego, além da capa, escolheu um chapelão de couro, um par de botas, um par de esporas chilenas, um cantil e, por fim , pediu para ver uma garrucha exposta na vitrine. Mandou somar a conta e na hora de pagar, com Tesuko Nukuda a sorrir e a presentear-lhe com uma caixa de balas, ao abaixar para apanhar o lápis caído no chão, recebeu três tiros o primeiro atingindo-lhe o coração,o segundo a cabeça e o último a boca. O homem esvaia-se em sangue, enquanto seus funcionários,desesperados, aos gritos, e trombando uns nos outros , desapareciam pelas portas dos fundos. Bramantino, friamente decepa-lhe a orelha, limpa a faca suja de sangue em um fardo de tecidos, acende um Yolanda Azul, sopra a fumaça de encontro ao céu e deixa o lugar do crime, bem como as mercadorias em cima do balcão. Esgueira-se de mansinho, como sede nada soubesse, por um beco pré-consultado, que o levaria até ao seu cavalo, de onde saiu a galopar em direção á estrada principal.

Prevendo a fúria da polícia, escondeu-se no mato, deixando a poeira baixar e depois, monta na sua alimária e abandona a região por veredas e caminhos ínvios do sertão,onde nunca seria avistado pelos policiais.

Depois de atravessar algumas vilas, fazendas, fazendas, matas, serrados e carrascais, entre Minas Gerais e Bahia, trocar por duas vezes de montaria, chegou à Curiapeba, logo se dirigindo à fazenda Ouricuri do Norte, onde o velho Coronel Dromedário, em pleno meio-dia, à sombra da sua casa-casa do engenho Trepiá, refestelado na sua cadeira de balanço, após lauto almoço, ao ser anunciada a presença de Bramantino, muito alegre, se preparou para recebe-lo em alto estilo, juntamente com as novas que este traia a respeito de Tesuko Nukuda. Na hora da no notícia,sentiu uma leve pontada no peito. Mas como nunca tinha sentido nada de grave durante os seus 88 anos bem vividos, não deu a mínima importância ao leve mal estar e ao avistar-se com o matador, foi logo perguntando, com euforia :

- Então, seu Bamantino, o que me contas de novo. Foi tudo bem,como esperávamos ?...

Bramantino friamente mete a mão no bolso do paletó, puxa um pacotinho e entrega o ao Coronel, que ao abri-lo deparou-se com a orelha troncha de Tesuko Nukuda, seca, desidratada, parecendo uma castanha de caju. O velho olha o matador com um sorriso aparvalhado e diz com voz pastosa e um início de tosse :

- Seu Bramantino Gaalego, você é um danado e está de parabéns por isso !... Gostei de sua eficiência e, como lhe prometi, serás bem recompensado por tanto. Ouviu, meu rapaz ?...

Nisso espicha as canelas compridas, geme, põe a mão direita em cima do peito,tomba a cabeça pesadamente no espaldar da espreguiçadeira e solta o último suspiro,entregando a alma ao Criador e deixando os familiares em polvorosa.

Toca Filosófica, 28/08/2007

sábado, 27 de outubro de 2007

CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE

Participe da Comunidade literária Estórias de CURIAPEBA

CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE
(Homenagem à obra literária de Aristides Theodoro – criador da fictícia Curiapeba)





I
Curiapeba é boi de laço,
É chiado morto, escuridão,
É coité quebrado e é cangaço,
Terra pisada no bagaço,
E a vida feita de sertão.

Ave agourenta na chapada,
Cascavel de tocaia no capim,
É rês mugindo esfomeada,
Xaxado, xote e enxurrada,
Galope, morte, vida e fim.

É gole d'água, é mão vazia,
Cacimba seca, vem e vai...
É noite quieta e cantoria,
Macuco afoito, mata fria,
Chuva distante que não cai.

II
É carrapicho, unha de gato,
É casa velha e desalento,
Peleja incerta, medo e mato,
Donzela aflita e beato,
E um bocado de ungüento.

É cabra macho, é rezador,
Faca de ponta, correnteza,
É benzedeira, é cantador,
Marruá na canga, lenhador,
Preá que bole na represa.

É rapazote que gagueja
Um verso bobo que escreveu,
É um tropeiro e uma peleja,
E bode velho que bodeja,
A mesma coisa que comeu.

III
É caititu, marrã que berra,
Água que banha o vilarejo,
Gibão surrado, pé de serra,
Gamela cocha, sol e terra,
De onde brota o sertanejo.

É carne de sol, tigela, angu,
Sabiá que canta na gaiola,
Canavieira, grota, umbu,
Fogão de lenha e mulungu,
É moita brava e mariola,

É cafundó, terno de linho,
Foice afiada, binga e fumo,
Feijão de corda e pelourinho,
Pedra que move no moinho
E bota a vida no seu rumo.






IV
É o carcará desapontado,
Jagunço morto na estiada,
É um zumbido, é um piado,
É um tiroteio começado,
Poeira e pó virando estrada.

É um remelexo, é mexerico,
É seiva, é dor, é jeito e ginga,
Ema, sapé, graveto, angico,
É cangaceiro e é milico,
No seu amor pela caatinga.

É dor de quengo sem melhora,
Bornal socado e um cantil,
É tamarindo, arreio, espora,
E a juriti que canta e chora
O Tudo quanto ela já viu.

V
É a baraúna ameaçada,
Fazenda antiga e prataria;
Carro de boi, encruzilhada,
Chuva que cai na madrugada,
Como goteira na bacia.

É lenço e palha na algibeira,
É destemor que nada abala,
Um fogo aceso sem fogueira,
É leite azedo na porteira
E antiga história de senzala.

É galalau engravatado,
Garrucha, jipe e baioneta,
Algum tostão e pão fiado
Um sonho velho amarelado,
Feito retrato na gaveta.

VI
É gravatá, arnica, espinho,
Boneca de milho já nascendo,
É malquerença de vizinho,
É cruz fincada no caminho,
E casca velha apodrecendo.

É um tropeiro ensimesmado,
Espinha de peixe na goela,
É nó de tripa mal curado,
Tabaréu que vê desconfiado,
Tudo que passa na janela.

É sanfoneiro, é cão sarnento,
É um desafio na embolada,
Uma tarimba e um jumento,
Moço que dorme no relento,
Pra cortejar a sua amada.



VII
É pó de mico, água de cheiro,
Café torrado e procissão,
É catilóia e sanfoneiro,
Um estrupício alcoviteiro,
Colher de pau, mão de pilão.

É um casebre pau-a-pique
D’uma bondade sem fundura,
Uma candonga, um chilique
Raspa de tacho e alambique,
Garapa, cana e rapadura.

É taquarussu, é boi-bumbá ,
Luar minguado no açude,
Sabão de soda, mungunzá,
Juá, jiló, jequitibá,
E um povo nobre que se ilude.

VIII
É a praça quieta tão igual,
Cerca, cipó, galo de rinha,
Roupa quarando no varal,
Um dia branco como a cal,
Que veste o teto da igrejinha.

Anzol de linha ribanceira,
Rangido surdo no assoalho,
Fubá que dança na peneira,
Cajá, sapé, maxixe, esteira,
E uma colcha de retalho.

É onça parda e emboscada
Carvão aceso, luz de vela.
É um estouro de boiada,
É uma tapera barreada,
Riacho morto sem pinguela.

IX
É um Barbatão desenxabido
E um perrengue da sinhazinha,
É um quase tudo esquecido
Em alguma brenha, escondido,
Que pouca gente adivinha.

E também é a coisa rara
Que, inexplicavelmente, afinal,
Como uma moita de taquara
Ao dividir-se em cada vara
Semeia nesta um taquaral.

E é finalmente uma porção
De qualquer coisa emudecida
E se o dize-la é apenas vão
Calar seria a supressão
De tudo quanto deu-lhe vida.

(Este é um pq reconhecimento e homenagem ao escritor Aristides Theodoro e a sua obra)

Poesia de
Ozanã Torquato Velho

Ilustração de Neli Vieira

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DE COMO TITICA ADQUIRIU, DE MANEIRA NÃO MUITO CORRETA, O CANÁRIO DE TUBI DO ARIÃO

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DE COMO TITICA ADQUIRIU, DE MANEIRA NÃO MUITO CORRETA, O CANÁRIO DE TUBI DO ARIÃO

Ilustração Inista de Neli Maria Vieira

“... inimigo de enxada e foice, só atento à negociações, barganhas, espertezas.” Monteiro Lobato


Titica chegou a Curiapeba ainda meninote. Juntamente com os pais: ela (mãe), Santa Maria Pinta a Nina e ale (pai), Melquisedeque de Jesus Cristo da Costa, não se sabendo ao certo da onde vieram. Uns diziam, que da Paraíba e outros professoravam que os mesmos vieram de São Paulo, por intermédio do pastor Genocídio Geronso Garrafino. Ambos pertenciam à igreja Jesus Virá, Aleluia!... Santa Maria Pinta e Nina, era uma mulher branca, alta, de olhos verdes, seios bem feitos, fornidos, cabelão preto, batendo nas ancas, vestida quase sempre com roupas negras, compridas, que cobriam-lhe as pernas cabeludas e bem torneadas. Se não fosse o mal ajambramento da sua indumentária (talvez proposital), era uma mulher para causar frenesi entre os homens. Vivia sempre cantando hinos da igreja protestante. Houve um que causou repulsa na rua onde morava, cantado sempre com voz. da taquara rachada, que dizia mais ou menos assim: - "Vejo a tormenta, ouço o mar intenso/o seu poder em manifestação./Então minh’alma canta a ti Senhor/Grandioso és tu, grandioso és tu.". Santa Maria Pinta e Nina só falava em termos religiosos, tais como salvação da alma, curas mirabolantes, línguas estranhas, dízimos, vida eterna, pecado, paraíso, demônios, abstinências, morte, etc. O marido, Melquisedeque de Jesus Cristo da Costa, ara um tipo alto, bem apessoado, branco, de olhos azuis, falastrão, que nem sempre tinha os temas religio­sos como ponto de partida. Comerciante sagaz, assim que chegou à cidade, começou a comprar peles, couros de boi, porco e caças, os quais revendia para curtumes da redondeza, isso após sondar quem melhor pagava. Não demorou muito, diziam as más línguas, com a ajuda do pastor Genocídio, montar o seu próprio curtume, às margens do rio da Onça, onde curtia os seus couros s os vendia para outros centros comerciais. Tais como Salvador, Recife e Aracaju. Era um mulherengo incorrigível e por várias vezes, fora visto, chumbregando com as rameiras no baixo meretrício, atrás de cemitério. Quando interrogado por irmãos, sobre o seu procedimento, dizia que a mulher, excessivamente dominada pela religião, não lhe satisfazia sexualmente, forçando-o a se completar fora do matrimônio. A mulher, interrogada pelas, senhoras dorcas da igreja, que queriam por tudo salvar o casamento, dizia, por sua vez, "que o Senhor recrimina­va o sexo e que preferia que o marido se abrasasse fora do lar, a fazer qualquer coisa que desagradasse ao Senhor". Titioa crescera ouvindo a palavra de Deus e vendo essas desavenças dentro de casa. E, como a mãe era muito rígida, impertinente, passou a detestá-la muito cedo e a achegar-se mais ao pai, que percebendo o apoio incondicional do filho, passou a agradá-lo e a dar-lhe dinheiro, sempre que vendia uma partida de sola. Titica, um menino vivo, falastrão, inteligente, com o pouco dinheiro que recebia, tratou de fazer os seus primeiros negócios. Comprou algumas caixas de en­graxate e distribuía as mesmas junto a outros moleques pobres da sua rua, que pagavam lhe Uma taxa sobre aquilo que fosse ganho durante o dia. Saiu-se bem e com pouco tempo, era uma espécie de empresário mirim bem sucedido. Como havia visto o acúmulo de apostas nas brigas da galos e canários-da-terra, na rinha de seu Wagney Carmusin, o garoto passou a comprar canários de bri­ga e a fazer apostas pelos cantos das praças. Primeiro chamando a atenção da garotada, que apostava entre si castanhas de caju, piões, bolinhas de gude, dados de bogoiós, cavalos de pau e tantos outros brinquedos e frutas. Só que Titica não estava nada satisfeito com essas apostas, que não lhe rendiam nenhum vintém e resolveu convidar os mesmos homens que apostavam nos canários de seu Wagney Carmusin, na maior parte, turistas do Sul, que visitavam a cidade e que apostavam dinheiro grosso, onde lhes sobravam alguns trocados. Titica. passou a ser um. forte, concorrente de.Wagney Carmusin, comprando todos canários de briga da redondeza, dos quais tomava conhecimento, até que soube de um na fazenda Seu Mané, às margens do rio Canjica, ali no sopé da serra do Itiúba, onde morava um certo. Tubi do Arião, que tinha um canário, espécie de terror do lugar. Brigador sem igual, que nunca tinha perdido uma briga pra, seu ninguém. Sabedor disso, foi Titioa à fazenda e encontrou-se com o dono, o negro Tubi do Arião, um semi-bárbaro, quase nu, que vivia de pequenos biscates, uma rocinha de mandioca, melancia, abóbora, milho e bananeiras; venda de passarinhos, caças e pescas. Diziam mesmo que chegava a conversar com as onças. Titica ao ver o canário cantar e corrochiar, ficou possesso e jurou a si mesmo, pagar a quantia que o negro lhe pedisse por ele.


A princípio, notou que o tipo quase não conhecia dinheiro e pensou: "esse está no papo". Vou ter o melhor canário de briga da região e vou desbancar até mesmo o grande Zé da Roça, de seu Wagney Carmusin, o ban-ban-bam de Curiapeba, o chamado papa apostas. Propôs-lhe negócios, porém o negro, fechado em si mesmo, fez corpo mole. Demonstrando pouco interesse em negociar com o rapazinho vivo, falastrão da cidade. Insistiu Titica, com um homem quase mudo, sem palavras, sempre de cabeça baixa e roendo as unhas, que não se decidia se queria ou não vender o passarinho. Até que depois de muita perseverança por parte de Titica, o negro disse, num gunguno quase inaudível, que não tinha farinha e que se fosse para desfazer-se do seu canário, o trocaria por alguns litros. Só que Titica não conseguia saber quanto do precioso alimento o negro queria em troca do pássaro. Diante do pouco palavreado do capiau e, sem negócio à vista, voltou Titica para casa muito aborrecido e a jurar que um dia aquela ave aguerrida seria sua. Uma semana depois, voltou à palhoça do negro e propôs-lhe uma nova negociação. Recebendo o mesmo silêncio como resposta. Titica, mordido de ansiedade, ao ver o canário cantar e corrochiar, ofereceu em troca do passarinho, 10 litros de farinha. O negro riu-se de maneira desconfiada e não disse nem sim nem não. Por fim, guardou silêncio de uma vez por todas. Titica não desanimou e prometeu mesmo assim, trazer a farinha no dia seguinte. O rapazinho, fervendo de ansiedade não conseguiu dormir naquela noite e no dia seguinte, mediu os 10 litros da mais alva e torrada farinha de Utinga, colocou-a num saco e dirigiu-se para a fazenda Seu Mane, onde ao chegar, encontrou o rancho fechado. Esperou por várias horas pelo negro, debaixo de um pé de massaranduba e, como nada do homem aparecer, resolveu abrir a porta, deixar a farinha em cima da tarimba onde o homem dormia e carregar o canário. O negro, ao voltar da roça, à boquinha da noite e não encontrar o canário, ficou fulo da vida e disse de si para si: - “vou pegar aquele amarelinho safado e dar-lhe uns corretivos de criar bicho, pra ele saber com quantos paus se faz uma cangalha... Molequinho escroto." No dia seguinte, um sábado, dia de feira em Curiapeba, pegou o saco com a farinha e dirigiu-se para a cidade a qual pouco conhecia. Havia ido lá uma ou duas vezes. Tinha medo do burburinho das ruas, vergonha dos seus trajes e da sua linguagem emperrada. Porém não poderia deixar passar em branco uma safadeza de tamanho calibre. Chegando à cidade, deparou-se com a grande feira, onde os feirantes apregoavam aos berros, os seus produtos. Com dificuldade, procurou entre elas, a se informar a respeito do molequinho amarelo, que lhe havia roubado o canário. Ninguém sabia o que o negro queria dizer, como também não poderiam lhe informar a respeito de um ser do qual não sabiam nem mesmo nome ou onde morava, etc. Depois de muitas investidas sem sucesso, com um grande nó na garganta, voltou para o seu rancho, cheio de revoltas e pensou em levar o caso ao pai Ambrósio, velho macumbeiro, seu ami­go e vizinho, afim de que ele fizesse um ebó para Exú, com a finalidade de que seu canário escapasse da gaiola do amarelinho safado e retornasse para o seu rancho, afim de alegrar a sua triste vida. E foi assim, que o negro Tubi do Arião, pela primeira vez na vida, deitou na sua tarimba e não conseguiu dormir, pensando na rasteira que o amarelinho falastrão da cidade acabara de lhe aplicar.

Toca Filosófica, 05/09/2007


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MACHÃO CURIAPEBANO DOBRADO PELA FORÇA DA PSICANÁLISE

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MACHÃO CURIAPEBANO DOBRADO PELA FORÇA DA PSICANÁLISE



"Amansa o corcel inflamado”

William Blake



Nasci em Curiapeba e minha mãe sempre dizia que ficou muito
contente, quando ouviu o meu primeiro choro e Salumbilina, velha
parteira da região, com seu sorriso de gengivas encarnadas olhar para
ela e dizer


- É minino home, de saco roxo, má fia!..


Cresci num ambiente rude, ouvindo berros de vacas, relinchos
de éguas no cio, latidos de cães danados, brigas de galos e
canários-da-terra e o meu pai dizer, com insistência:


- Homem que é homem não chora!..


De inicio, nunca chorei. Aprendi no dia-a-dia que naquelas
brenhas medonhas era preciso de muita macheza, para empurrar a vida.
Quantas vezes, não tive de enfrentar vacas brabas a pontapés, a fim de
curar o umbigo dos seus filhotes. Amansar burros chucros a unha. Outras
vezes, de jacaré na cintura e lazarina em punho, cheinhazinha de balas,
deparar-me frente a frente com canguçu faminta, a mirar um no olho do
outro e a bicha piscar primeiro, lamber os bigodes, miar fininho, que
nem gato e se esgueirar, temendo a dureza do meu olhar e as balas da
minha lazarina. Nunca fui de temer valentões de feira, os quais botava
pra correr, no grito, com a força dos meus pulmões. Até que um dia,
cansei-me daquela vidinha besta do interior, botei alguns cobres na
algibeira, abotoei a fivela do matulão, tomei um trem de ferro em
Itiúba e fui dar um pulo no São Paulo, onde, ao chegar, insinuado por
um primo, matriculei-me num curso, do qual ele falava muito bem. Se me
perguntarem o nome do tal curso, não saberei dizer. Só sei que a
professorinha era uma figura simpática, muito culta, um desses tipos de
mulé macho, que convence o vivente com a força da sua argumentação e
que colocava fora das suas aulas, sempre no grito, penetras enxeridos e
metidos a engraçadinhos, que apenas queriam tumultuar. Fiz bons amigos
por ali. Especialmente entre as mulheres. Nunca fui de gostar de
homens. Até mesmo quando os cumprimentava, não gostava de estender-lhes
a mão. Isso por não saber onde o infeliz andou colocando a mesma. Até
que um dia, a mestra, que convém dizer, chama-se Munique, acho que seus
pais se inspirarem na velha cidade alemã, quando a batizaram; imbuída
de teorias literárias, passou a citar uns tais de Herman Hesse,
Nietzche, Cervantes e Tolstói (vejam vocês, nenhum brasileiro) e
fez-nos embriagar de Jung e de um francesinho metido a arroz com casca
e muita coceira no fiofó.Um tal de Bachelard, que criara umas teorias
malucas que trata do “ânimo" e da "ânima", o que quer dizer, macho e
fêmea na mesma pessoa. A princípio, choquei-me com os argumentos
apregoados por Munique e pensava comigo mesmo: "Se vê cada uma neste
São Paulo!... Comigo não, violão!... Eu sou é homem com H. Nasci homem
e morrerei homem. Nada de frescuras pra cima de mim. Não. Mas, de tanto
insistir a professora e as colegas, tentando mostar-me o meu lado
feminino, ou melhor, de "ânima”, uma noite, após ouvir a leitura de um
texto afrescalhado do tal de Bachelard, sobre o assunto, que diz assim:
“Um único corpo dominado por duas cabeças coroadas. Belo símbolo da
dupla exaltação da androginia. A androginia não se oculta numa
animalidade indistinta, nas orígens obscuras da vida. Ela é uma
dialética do apogeu. Mostra, vindo de um mesmo ser, a exaltação do
animus e da anima. Prepara os devaneios associados do supermasculino e
do superfeminino.”


As minhas colegas Nélia Maria Fernandes, Águida Sarmiento e a
Nega Fulô, no barzinho do China Pau, na hora do intervalo, argumentaram
e tentaram mostrar-me que a mestra estava certa e que todos nós temos
porções imensas do "ânimo" e da "ânima" escondidos no mais recôndito
dos nossos seres. Voltei pra casa abestalhado, com aquilo no quengo. E
perguntei de mim para comigo: “Mas como, logo eu, Osmundino Carriega
Soromenho de Jesus Malhado, que sempre fui homem com H, chegar na
cidade grande e receber de cara urna dose dupla de baitolagem?... Não e
não. Continuarei a ser homem com H maiúsculo, sem me deixar levar por
essa conversa mole desses cabras frescos da capital."


No dia seguinte, Osmundino Carriega Soromenho de Jesus
Malhado, que nunca fora dado às leituras, entrou numa livraria, talvez
pela primeira vez e saiu dela sobraçando alguns livros de Jung e "A
Poética do Devaneio", do Bachelard, tão enaltecida por Munique. Foi pra
casa e mergulhou na leitura das teorias psicanalistas e chegou a se
convencer com a força dos argumentos e passou a se auto-analisar e a
concordar que realmente possuía as duas partes iguais do "ânimo" e da
"ânima" dentro de si. Ligou para Nélia Maria Fernandes, falaram por
quase uma hora sobre o assunto e, desse dia em diante, teve de mudar o
seu comportamento, como também o seu guarda-roupas. Comprou calças
coloridas, vermelhas, verdes, lilases, rosas; sapatos brancos,
vermelhos, cinzas e um dia, após tomar banho e se olhar demoradamente,
nu, nuelo, no espelho, notou que os peitos, antigamente atrofiados,
cheios de pelos duros em volta dos bicos negros, começavam a se
desenvolver. Foi aí que teve vontade de ser penetrado, como as
mulheres. Pensou consigo mesmo: "Que meu pai, lá do céu ou do inferno,
onde estiver, não tenha notícias destes meus pensamentos. Caso
contrário, corro sérios riscos de ser jogado da cama no chão, durante o
sono, pelo espírito revoltado do velho, que, por certo, argumentaria
que não colocou filho no mundo para andar por aí, vestindo calças
coloridas, coladinhas ao corpo e a se sacodir, feito baitola,
macho-franga, viado. Como se diz no sertão.


O certo é que o machão curiapebano, que sempre foi, e não
perdia um segundo sem pensar em mulheres, de preferência na horizontal,
arrefeceu o seu apetite e passou a sonhar com uma relação onde pudesse
fazer o papel de fêmea. Era assim a "ânima" se manifestando dentro do
homem rude dos sertões. Voltou a pensar no pai e rogou insistentemente
a Deus-Nosso-Senhor-Jesus-Cristo, que não permitisse que o espírito do
progenitor, Macedônio Carriega Soromenho de Jesus Malhado, lá de onde
estivesse ficasse sabendo das suas vontades. Senão seria capaz de
revirar céus e infernos afim de dar-lhe umas bordoadas corretivas e pôr
o seu fedelho nos trilhos, antes que fosse tarde demais. Pois, segundo
as leis do sertão, homem que nasce homem morre homem.




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JUSTINIANO CABORÉ RETORNA À TERRA NATAL

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JUSTINIANO CABORÉ RETORNA À TERRA NATAL

Depois de muitas lutas, sofrimentos mil, aprendizagens, amores frustrados, muita falta de dinheiro, exposições e glórias em várias partes do mundo, já pintando os primeiros fios de cabelos brancos nas têmporas e na barba, Justiniano Caboré retornou em definitivo para Curiapeba, sua terra natal, que segundo disse alguém, para onde jamais se volta, “pois ela não existe a não ser nas nafetalinas da memória”, onde após morar por alguns meses no Hotel Toco Preto & Barinova, adquiriu uma velha casa na praça das Boiadas, número 27, ali pertinho da barbearia Sol à Pino, de Anacleto Pereira Sampaio, reformando – a à seu gosto e se instalando nela, de mala e cuia, com seu atelier. Fazendo logo amizade com outros pintores sulistas, radicados em Curiapeba, tais como o João Alberto Tessarini e Cecília Verdemate Beatrix Alighieri e Baipendi, apaixonados pela cultura sertaneja. Ambos vindos de São Paulo, porém perfeitamente adaptados aos modos simples e às vezes rudes dos sertões baianos, os quais copiavam nas suas telas de grandes reverberâncias, que eram disputadíssimas pelos marchands e galerias do Sul do País e do exterior.

Justiniano Caboré, que fora discípulo de Carybé e de quem se percebia grande influência em suas telas, a princípio percorrera todo o Brasil em busca de reconhecimento para sua arte, inutilmente, até que se mudou para a Europa, primeiro para Barcelona, depois para Paris, onde conhecera grandes mestres das Artes, tais como o pernambucano Cícero Dias e o cearense Antônio Bandeira, por quem tinha grandes considerações e relembrava sempre dos seus dias de boêmia, intensa, na Rive Gauche, junto a outros tantos latinos-americanos em busca de glórias. Se tornara amigo de Picasso, Miró e outros com os quais se enfronhara. Por lá, mostrara os seus trabalhos lambecados de verde e amarelo, cheios de sol e exotismo. Seus cangaceiros, suas flores tropicais, de múltipla coloração, seus cactos, ossadas de animais tombados pela seca, urubus, mandacarus, paus – de – arara, retirantes, etc. Vendera muitos quadros na Europa, inclusive um para a rainha da Inglaterra, que lhe tecera elogios, elogios estes, que lhe rendera divisas, comentário nas gazetas e muitos dólares na conta bancária.

Caboré era um apaixonado pelo “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e esboçava seus personagens plásticos, arrancando – os quase que diretamente das páginas trágicas do grande “Livro Vingador” da literatura nacional. Alguns desses quadros se acham espalhados pelos grandes museus do mundo, tais como o Jeu de Paume, d`Orsay, ambos de Paris, o Museu de Arte Moderna, de Nova Yorque, Museu de Arte de Filadélfia, Museu de Arte Moderna, do México, ao lado de Siqueiros, Orozco e Diego Rivera. Outros estão pendurados em paredes do Museu de Arte Moderna, de Barcelona, juntinhos com os belos quadros de Ramón Casas, entre outros museus do mundo e quase que desconhecidos entre nós brasileiros. A não ser em algumas coleções particulares, de ricassos que o conheceram na Europa, como o coronel Jorge Tigre, de Curiapeba, fazendeiro de bom gosto, que patrocinava as artes na região.

Justiniano Caboré, assim que se instalou na cidade, num período de quaresma, viu pelas ruas uma procissão do Senhor Morto, que lhe marcou muito e mais que depressa, obedecendo à inspiração, se pôs a trabalhar em uma espécie de Santa Ceia Cabocla, constituída de vários quadros, que totalizariam os traços da via – crucis e onde o personagem central era um Cristo preto, de olhos vermelhos, beiços proeminentes, musculatura de aço e cabelos pixaim, que as vezes se travestia de cangaceiro, Zumbi e outras, como na cena da crucifixão vestindo uma decotadíssima calçola de mulher, rosa – choque, enfeitada de debruns, que lhe deixava o corpo cheio de curvas efeminadas e duas borboletas azuis, graciosamente pousadas nos bicos dos seios protuberantes, por cima do califon. Ao serem expostos estes quadros no salão Lavras Diamantina, da cidade (com a presença do Prefeito Perfídio Brotoeja Codorniz, do Presidente da Câmara, vereador João Kusowisky, do padre Joaquim Torres Barrada, do Pastor Genocídio Geronso Garrafino, do jornalista Aristarco Vieira de Melo, da escritora Maninha de Matos Sampaio, dos advogados Antonio Polissílabo Saraiva, Walcírio Toneleiros Waluá, Wasculatório Toneleiros Waluá, do compositor, poeta, historiador e sanfoneiro Talinho Malino de Menezes e até dos caribenhos Artúrio Quiroga y Orozco e sua mulher, Dona Berenice Orozco Villas, que aparentemente vieram prestigiar o desconhecido pintor recém – chegado. Os quadros de Justiniano Caboré começaram a causar mal – estar desde o primeiro dia, quando o presidente da Câmara, vereador João Kusowisky, que pertencia à cúpula da igreja Jesus Virá, Aleluia!..., de cenho franzido aproxima – se do pintor, que dava uma entrevista coletiva e pergunta:

- Seu Justiniano Caboré (que nome, hein?...Se vê cada uma!...) como é que o senhor se dá ao luxo de exibir uma obra tão sacrílega como essa, em ambiente público, e além do mais, em uma cidade extremamente religiosa como Curiapeba?...

Justiniano Caboré, um pouco assustado, encara o homem e diz, rematando a gozação em cima do seu nome:

- Pois é, vereador, em matéria de nomes esquisitos estamos empatados. Veja que o seu nome também não é uma belezura, soletrou pausadamente: Ku so wis ky... Sim sinhô... Quanto à minha pintura não vejo nada de mais nela, que a desabone, nobre vereador.

- O senhor ainda diz não ver nada nela que a desabone, seu Caboré?... Seus quadros beiram ao deboche, ao acinte. São trabalhos indignos de serem expostos neste ambiente público da mais alta reputação.

- Não os vejo assim, senhor Kusowisky. Tenho exposto meus quadros em várias partes do mundo. Reconheço que sou dono de um estilo forte, irreverente, mas mesmo assim nunca tive o privilégio de ser censurado. Pelo contrário, os meus trabalhos tem provocado os mais calorosos elogios e ganhado prêmios mundo afora.

- Vejo que o senhor, que saiu daqui pequeno, ainda não se deu conta que, esta cidade, extremamente religiosa, não compartilha com as suas pornografias, de extremo mau gosto. Vou solicitar ao prefeito Perfídio Brotoeja Codorniz, em nome dos bons costumes e da moral, que providencie a retirada da sua exposição deste lugar. A fim de resguardarmos a pureza e inocência da nossa gente.

Disse isto e virou as costas, não esperando a réplica, por parte do pintor. Indo à tarde ao gabinete do prefeito, onde expôs seus pontos de vistas, que não foram levados à sério pelo alcaide, que disse não ver subversão nenhuma ou pornografia na obra de Justiniano Caboré. A seu ver, motivo de honra e orgulho para a cidade, que em parte, vive do turismo, e o pintor atraíria muita gente endinheirada, sedenta por arte e pessoas famosas. O que não convenceu o vereador, que tratou de se encontrar com outros colegas de partido, como o Dr. Athanázio Valovelho Clepaúva, Bombardino Pitomba e Panflório Obvilaqua Valovelho Clepaúva (todos da bancada da UDN). À noite foi a igreja Jesus Virá, Aleluia!... e num culto fervoroso, aleluiado, e carregado de fogos do inferno, (pondo em prática os conselhos do Dr. Athanázio), conclamou a sua gente a se revoltar numa cruzada evangélica a fim de destruir o diabo que estava ali na cidade, na pessoa do tal pintor. Isso poderia ser feito com a depredação dos trabalhos de Justiniano Caboré, expostos no salão Lavras Diamantina, que poderiam ser queimados em praça pública pelos fiéis, que no dia seguinte, quando Caboré dava uma entrevista, arrodeado de jornalistas e curiosos, invadiram o salão e como uma avalanche medonha, começaram a destruir quadros, móveis, instalações e armados com a bíblia e hinários, atacaram o pintor, batendo – lhe na cara, na barriga, nos braços e na cabeça. Os irmãos, dominados por um frenesi coletivo, berravam:

- Sai daqui, espírito maligno, enviado do diabo, e vai para as profundezas do inferno, que é o teu lugar.

- O sangue do Senhor tem poder!... – gritava insistentemente, uma senhora, toda vestida de preto e cabelos esvoaçantes, maltratados.

Outros, mais agressivos, brandiam a bíblia na cara do pintor e se esgoelavam, como se tomados por uma força estranha.

- Retira – te desta cidade, espírito imundo. Aqui reina o Senhor!...

- A coisa quase fora de controle só não ficou pior, porque os guardas da Prefeitura, ao vêem o pintor apanhando, entraram em cena, evacuando o salão e levando o artista para outra dependência. Diante dessa ameaça exemplar, que fora contemplada, por vários jornalistas, Justiniano Caboré, passou a ser entrevistado com assiduidade. Virou notícia dos mais diversos jornais nacionais e estrangeiros. Seus quadros, até ali desconhecidos, tornaram – se popularíssimos, e o pintor, de uma hora para outra, se tornou uma celebridade e um dos mais famosos homens de Curiapeba, em todos os tempos, e o vereador João Kusowisky, que não se reelegeu, mudou – se da cidade, a fim de não presenciar a glória do pintor ateu, que em matéria de arte, passou a ditar as ordens, País afora.

Toca Filosófica, 27/11/2006

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ARISTIDES THEODORO VISTO PELA CRÍTICA

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ARISTIDES THEODORO VISTO PELA CRÍTICA


Ontem, em minha escrivaninha, visitei o Nordeste Brasileiro, “atraída pela beleza da região diamantífera baiana”. Estive em Curiapeba, a fim de visitar uma igreja muito curiosa, a de “Jesus Virá, Aleluia!...” Não sei se você conhece, fica ali na Praça das Boiadas. Enfim, gente curiosa essa de Curiapeba. Diverti-me demais com o João Xexéu “martelando seu Luiz XV” pelas ruas, rumo ao sertão alto.

Tem de tudo naquela cidade, mas senti falta de alguém, amigo. Não encontrei você. Andei por todas as ruas, praças e cantos. Perguntei aos moradores, aos personagens (não deixei de passar em frente da venda da negra Ostoporina Suspirova, para ouvir os desaforos do papagaio falador, é claro).

Que distração a minha. Depois de tanto andar, percebi que você, meu caro Aristides Theodoro, estava sim, lá. Não em um canto apenas, mas em todos os lugares, nos personagens, nas situações e nas brigas de jagunços, que a toda hora acontecem naquela cidade.

Guardei você na estante da minha escrivaninha. Certa de que, toda vez que estiver à procura de bons causos sertanejos e estórias gostosas de ler, preciso apenas ir até lá e contar com você.

Jô Barranova (Por e-mail)


“Aristides Theodoro tem excelente verve como contista”

Zanoto - Correio do Sul - Varginha, 12/07/2005


“Seu texto é bem humorado, mesmo quando ácido. Devido sua sinceridade, Aristides Theodoro tem criado alguns inimigos, mas ele parece não levar isso em consideração”

Hildebrando Pafundi - A Voz de Mauá, 14 de agosto de 2003


... “a obra de Aristides Theodoro é boa, competente, merece ser lida, debatida e criticada (no melhor sentido do termo)”

Gilberto Tadeu de Lima - A Voz de Mauá, 15 de maio de 2003


Aprecio o estilo simples, despojado, com que você conta causos de grande interesse humano, ambientados no velho sertão de guerra.

Manoel Onofre Júnior – Natal - RN


O seu cangaceiro está me encantando, ao contrário do que me solicitou, que não me assuste. Curiapeba está entrando, em definitivo, para o mapa do meu mundo imaginário, que é o único verdadeiro. O resto é ilusão de fantoches.

Nelson Hoffmann – Roque Gonzáles – RS

Você esta dando rumo certo para a temática curiapebana.

A Igreja Jesus Virá, Aleluia!..., o pastor Genocídio Geronso Garrafino, o Bernardo Tremembé formam uma trempe e o fogo atiçado pelo Aristides deu um colorido especial ao conto que merece ser lido e ser aprovada sua publicação pelos representantes do Santo Ofício.

Valdecírio Teles Veras – Santo André - SP


Th, saúde, paz e tudo mais que um Curiapebano desejar pode.

Jô Barranova disse (A Voz de Mauá, 16/12/05) pura verdade. Curiapeba existe além da ficção de Th. Se nada mais justificar a tua presença na ficção nacional – penso ao contrário – Curiapeba permanecerá, a exemplo de Macondo, Antares, etc.

O pessoal de lá têm consciência disso. Em caso afirmativo, já é hora de alguns vereadores irem cuidando de apresentar uma proposta mudando o nome de Utinga para Curiapeba.

Felizes festas e novo ano com disposição... E também tesão... Para criação literária, oxente!

Abraços do Possy.
Antonio Possidonio Sampaio – Santo André – SP




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AI, JESUS, ARRASOU!...

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AI, JESUS, ARRASOU!...
Para meu irmão Juvenal Teodoro

Véspera de Natal. A pequena Curiapeba regurgitava de gente. Os filhos dos coronéis do sisal voltavam de Salvador e de Aracaju, para as merecidas férias de fim de ano. Os turistas do Sul, em visitação ao Nordeste, atraídos pela beleza da região diamantífera baiana, queriam tudo ver. Maninha de Matos Sampaio, que já havia feito um trabalho de pesquisa e relevo sobre as religiões do Brasil, coletando vasta documentação em Curiapeba, agora escarafunchava todos os becos em busca de Centro Espírita, Mesa Branca, Casa de Xangô e o Diabo-a-quatro. Sempre acompanhada por uns tipinhos barbudinhos, mal vestidos, temperamentais, da USP. O certo é que Curiapeba ficava muito agitada durante esses meses de fim de ano. Tudo era visto, fotografado, esmiuçado. Uns tais de brasilianistas, que se encantaram pelas festas populares do sertão, queriam saber tudo a respeito das catiras, dos fandangos, dos baiões e dos reisados.

Um certo Bill William, da Universidade de Nevada, resolveu protelar a sua estadia na cidade até o início do ano novo, a fim de ver o reisado, que teria início no dia 6 de janeiro. Bill, com seu português estropiado, entoava trechos da música de folia de reis, sempre comendo frases inteiras da letra:

"Oh de casa, oh de fora, Santo Reis aqui chegou, ai, ai, meu Deus! Santo Reis aqui chegou, ai, ai!..."

Isso tudo para chalaça dos curiapebanos, que não perdiam a oportunidade para imitar o passo desengonçado e a voz ridícula do gringo.

Os padres Cosmorâmico Canindé e João Tracajá se desdobravam nas suas atividades paroquiais, pedindo donativos para as festanças que se aproximavam. Walcírio Toneleiros Waluá, um dos melhores prefeitos de todos os tempos, transformava e promovia Curiapeba em uma das cidades mais promissoras do Estado, seguindo os passos do seu antecessor, Antonio Políssilabo Saraiva, que deu início à nova era em Curiapeba. O certo é que tudo crescia e prosperava a olhos vistos e cada morador se orgulhava de sua cidade, mesmo aqueles que fizeram campanha contra a candidatura de Walcírio Toneleiros Waluá, caso do jornalista Aristarco Vieira de Melo, de "Os Sertões", que aos poucos, por não ser um sectário, um dono da verdade ainda reticente, já via com bons olhos a administração do novo alcaide.

Foi numa dessas manhãs de domingo, festiva e ensolarada, que João Xexéu, recém convertido à Igreja Jesus Virá, Aleluia!..., após assistir a um culto fervoroso e aleluiado, dito pelo pastor Genocídio Geronso Garrafino, foi ao banheiro (infelizmente, ao masculino) retocou a pintura, o rímel dos olhos, arrumou a bolsinha inseparável, segurou a "Palavra de Deus" graciosamente entre a ponta do fura bolo e o mata piolho e saiu do templo do Senhor, queimado de fé, com seus passinhos graciosos, que até fazia lembrar uma dama da alta sociedade. Xexéu era uma graça na sua calça preta de laicra coladinha ao corpo, sua blusinha amarela fosforescente, de generoso decote e os sapatos Luiz XV, um arraso para o lugar. Aprendeu esses sestros quando estivera em São Paulo, onde vivera por alguns tempos numa pensão barata de bichas. João Xexéu era de família tradicional de Curiapeba. Por parte de pai, descendia dos Cambaxirra, que dera gente do naipe do velho Clitério Cambaxirra de Jesus Malhado, o famoso Cu-de-Fogo, e por parte da mãe, vinha dos Justiniano Martelete, ramos que já havia fornecido juízes, advogados e políticos carismáticos, de voz redonda, para a glória de Curiapeba. O certo é que João Xexéu, após retornar do Sul, com seu comportamento, foi rejeitado pelos parentes e, daí por diante, passou a fazer de um tudo para desmoralizá-los em praça pública. Tornou-se um revoltado gratuitamente e fazia os maiores escândalos por dá-cá-aquela-palha. Até que um dia, ao passar pela Praça das Boiadas e ouvir a gritaria dos fiéis no templo da Igreja Jesus Virá, Aleluia!..., resolveu entrar, com a finalidade de provocar um banzé memorável, e, se possível, cuspir na cara do pastor, que exortava, seus fiéis com palavras duras, carregadas de fim de mundo, de fogo do Inferno; isto entre um aleluia! e um apelo para angariar dinheiro, animais e terreno. Xexéu, a exemplo de Santo Agostinho, em Roma, ao ver Santo Ambrósio, ao topar o pastor Genocídio Geronso Garrafino converteu-se ali mesmo e tornou-se, a partir de então, um verdadeiro fanático religioso. Só que não abandonou seus velhos hábitos e trejeitos aprendidos em São Paulo. Por mais que o pastor Genocídio Geronso Garrafino o aconselhasse, não abria mão dos trejeitos; gostava um bocado das suas calças efeminadas, da pintura, do rímel (não sabia viver sem rímel). Afinal, não seria por essas pequeninas insignificância que "Deus Nosso Senhor Jesus Cristo" iria lhe fechar as portas do céu na cara.

Nesse domingo, como já foi dito, após tomar a Rua Rumo do Sertão Alto, onde morava, num sitiozinho dos pais, ouviu uma gritaria medonha ao seu lado e ao voltar-se para ver de que se tratava, deparou-se com um velho caminhão, carregado de jogadores, que gritavam em coro:

– Bicha! Bicha! Bicha!...

Outros mais atrevidos e com vocabulário mais vasto, se esgoelavam:

– Aí, xibungão! Baitola! Boneca deslumbrada! Macho-franga!...

João Xexéu, sem perder a pose efeminada, sempre nos seus passinhos bem cadenciados, deu um toque na vasta cabeleira negra, suspendeu a "palavra de Deus" de encontro aos incréus e gritou:

– O sangue de Jesus tem poder!...

Nisso, o motorista, um galalau espadaúdo e um dos mais empenhados em desmoralizar Xexéu, (afinal era seu primo), perdeu a direção do carro e foi chocar-se contra um poste da rua, esmagando a frente do velho Ford cara branca.

Aí foi a glória para Xexéu, que pondo as mãos para o céu, num gesto de agradecimento ao Senhor, pulou e gritou com voz esganiçada e estridente satisfação:

Ai, Jesus, arrasou!... Ai, Jesus, arrasou!...

Em seguida, olha os jogadores com piedoso desprezo e sai com seus passinhos miúdos, cadenciados, martelando com seu Luiz XV as pedras mal lapidadas do calçamento, em rumo do Sertão Alto, onde ao chegar em casa, dobraria os joelhos em terra e agradeceria ao senhor pela vitória.

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