sábado, 27 de outubro de 2007

UM FAZENDEIRO NA CAPITAL

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UM FAZENDEIRO NA CAPITAL

Lúcio Butinove, ricaço da região, possuidor de fazendas e mais fazendas na redondeza de Curiapeba e adjacências, onde se dava ao criame de gado zebu, caprinos, suínos e cavalos. Era um homem simplório, que muito mal assinava o nome, embora possuísse um faro assombroso para os negócios. Negociante sagaz, sabia comprar barato e na hora certa, e vender a bom preço, quando bem lhe conviesse. Foi assim que adquiriu a maioria das suas fazendas, comprando-as em período de secas, quando as estiagens medonhas empurravam os pequenos fazendeiros em busca de dias melhores em outras paragens. Lúcio Butinove, muito vivo, assim que adquiria as propriedades a preço de banana, fazia pequenos açudes nas várzeas e quando as chuvas chegavam e enchiam os logradouros, aqueles desertos do passado se transformavam em verdadeiros oásis, onde o. fazendeiro plantava capim-açu. Na época certa, contava-o e enterrava-o no chão, em lugares altos, longe das enxurradas, numa técnica toda especial que conservava a forragem por muito tempo, fresca e apetitosa para os animais.

Butinove, já dissemos, era um homem de pouquíssimas instruções e, tirando de Curiapeba, conhecia apenas uma fazenda próxima à Feira de Santana onde, de quando em quando, juntamente com seus vaqueiros, seguia o passo moroso da boiada, a fim de entregar o gadame ao frigorífico. Sempre voltava dali mesmo, nunca se arriscando a entrar na grande cidade, famosa pelo seu comércio de gado, mesmo com a insistência do seu compadre Walcírio Toneleiros Waluá, que lhe franqueara hospedagem na sua mansão, em Feira, onde administrava, juntamente com a filha mais velha, Dra. Coralina Waluá de Jesus Malhado, uma filial da Polissílabo & Waluá Advogados.

Com o rolar dos janeiros, Lúcio Butinove passou a se queixar de várias macacoas. Consultou-se com o Dr. Arlindo Canoeiro Gesteiras, em Curiapeba, que o aconselhou a procurar com urgência um especialista em Salvador, o que lhe causou um verdadeiro calafrio. Acontece que o matuto nunca estivera em Salvador e, devido a isso, relutou em empreender a tal viagem. Em primeiro lugar, achava que os sintomas o abandonariam com o passar do tempo. Como as coisas cada vez mais se agravavam, o fazendeiro, um dia, após muitos padecimentos, encheu a burra de dinheiro, tomou um trem em Itiúba e se mandou para Salvador, onde, a pedido do Dr. Arlindo Canoeiro Gesteiras, deveria consultar-se com um certo Dr. José Veloso Vinhais, cirurgião de renome internacional e dono de fazendas em Curiapeba.

Ao chegar à velha cidade da Bahia, numa tarde de sábado, procurou um hotel, que lhe fora recomendado por seu amigo, Dr. Antonio Polissílabo Saraiva, onde achou tudo muito estranho. Nunca tinha visto tanta gente em sua vida. Tanta luz, tantas mulheres bonitas, tanto luxo. A grandiosidade do mar-oceano e a malandragem do homem da cidade grande.

Ao jantar no hotel, foi-lhe servida uma tal de maionese, a qual o fazendeiro devorou com sofreguidão. (Era um grande comilão e, na sede da sua fazenda, na Boca da Onça, em companhia do poeta João Emílio Krauser, recém-chegado de São Paulo, e que acabara de adquirir a fazenda Pinhé, à margem direita do Rio das Voltas, traçavam semanalmente saborosos pratos de leitoa assada, buchada de bode, galinha ao molho pardo, capote à moda do sertão e gordos cobós pescados no rio. Tudo isso acompanhado de umbuzada e da mais fina e saborosa cachaça da terra ou deliciosos licores de jenipapo, guabiraba, jambo, ou jabuticaba). Nunca tinha comido coisa tão boa assim. Só conhecia maionese através da falação de seu novo amigo paulista.

Assim que voltou para o quarto percebeu que a barriga começava a roncar e, em seguida, foi acometido por um enorme desarranjo intestinal, com muita cólica e vontade de defecar. O fazendeiro, contorcendo-se de dor, olhou para o pátio do casarão e, não vendo nenhum capão de mato, onde pudesse obrar, contorcendo-se todo e, não sabendo o que era banheiro, que por sua vez estava ali, à sua frente, porém de porta fechada, não se deu ao luxo de procurar onde deveria fazer as necessidades fisiológicas. Afinal, não queria passar por ignorante. E assim, no auge da agonia intestinal, foi à mala onde estavam as roupas, apanhou uma meia, desceu as calças grossas de mescla azul, abaixou-se num canto de parede, soltando o barro dentro da meia, a qual pretendia jogar pela janela, no meio do pátio.

Após ter se aliviado, amarrou a boca da meia e rodou-a, atirando-a no meio do pátio, mas, como a mesma estava furada, ao ser arremessada no ar, borrifou de excremento todas as paredes, teto, móveis e assoalho do hotel, que em poucos minutos exalavam um forte almíscar de excremento, contaminando as outras dependências do hotel. Em seguida, os funcionários do estabelecimento descobriram de onde emanava o odor e Lúcio Butinove, após narrar a sua versão para o caso, foi expulso do ambiente, que foi lavado e desinfetado, a fim de dar lugar a outro hospede.

Toca Filosófica, 12/05/2003



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